Este domingo temos eleições autárquicas pela 14ª vez em democracia desde 1976. Estas eleições são a grande festa da democracia pela variedade das disputas em 3259 assembleias de freguesia e 308 câmaras e assembleias municipais, envolvendo a eleição de perto de 40 mil autarcas de entre cerca de 300 mil candidatos.
Como sempre, irá discutir-se em cada resultado qual o peso relativo das tendências políticas nacionais e do fator proximidade que valoriza o conhecimento dos candidatos sobre o emblema com que concorrem. Apesar das recorrentes campanhas de descrédito e de uma sobranceria centralista sobre a decisão local, todos os estudos de opinião indicam uma maior confiança das populações nos seus autarcas do que nos distantes governos.
É esse reconhecimento baseado no trabalho desenvolvido que justifica a vantagem que é apontada à maioria dos autarcas em funções, e que leva a considerar como muito mais disputadas as eleições nos casos em que a limitação de mandatos impede a recandidatura para lá do ciclo de 12 anos de funções.
As eleições locais também já serviram algumas vezes, sobretudo nas áreas urbanas, para manifestação do descontentamento com os Governos. Por outro lado, quer para o PS quer para o PSD, a forte base autárquica reforçada com figuras com projeção política nacional foi o que permitiu o enraizamento social durante períodos de longa permanência na oposição, como sucedeu com o PS durante os dez anos do cavaquismo e com o PSD ao longo do século XXI.
Para além do balanço global que passará pelo número de presidências de câmara e a liderança da ANMP, os resultados nos maiores municípios, a liderança das áreas metropolitanas ou das capitais de distrito, estas eleições têm fatores de incerteza que as tornam as mais imprevisíveis de sempre.
Que dimensão local terá o apelo populista do Chega, que como partido de um homem só é o mais centralista de todos, sem qualquer pensamento conhecido sobre descentralização ou o papel das autarquias?
Tanto mais quando assenta a sua rede de expansão nas autarquias em trânsfugas dos outros partidos de direita, em candidatos instrumentais sem nenhuma ligação aos territórios onde concorrem e em várias figuras locais com percursos pessoais pouco recomendáveis. Tendo vencido em maio em 60 municípios e em centenas de freguesias, é natural que o Chega se estreie na experiência de gestão local mas se ficar abaixo dos 10 a 15 concelhos conquistados terá uma amarga decepção face às expectativas criadas.
O PCP e o CDS, ainda que este se esconda na maioria dos casos em coligações na mochila do PSD, jogam a sua sobrevivência como partidos com implantação territorial na defesa das 19 câmaras comunistas ou das 6 dos antigos democrata-cristãos.
E temos finalmente o caso muito especial de Lisboa em que se testa a salvação da cidade capital do pior presidente da democracia. Carlos Moedas perante a falta de obra e a degradação da cidade envolta em lixo, excesso de trânsito e colapso na habitação, adotou sempre uma estratégia assente na propaganda, na agressividade política descompensada e na permanente lamúria e desresponsabilização de tudo. Como seria um sopro de ar fresco nestes tempos sombrios o regresso da Lisboa otimista, solidária e cosmopolita dos tempos de Jorge Sampaio agora em versão feminina.
A única certeza que temos é que um Governo, que misturou de propósito a data das eleições locais com a apresentação do Orçamento e multiplicou uma gestão governamental de curto prazo para favorecer os objetivos eleitorais do PSD, nunca fará o que Francisco Balsemão fez em 1982 ou António Guterres em 2001 depois de noites eleitorais autárquicas infelizes.
Igualmente sabemos que Luís Montenegro, levado inesperadamente ao poder pela estrada aberta pela coligação de Marcelo Rebelo de Sousa com Lucília Gago, tudo fará para adiar respostas ou se furtar a esclarecimentos sobre a compatibilidade entre a sua vida política e a empresarial e não aplicará jamais a si próprio, ou aos que lhe são próximos, os critérios éticos que proclamava relativamente a terceiros.
A proposta de Orçamento do Estado, ontem apresentada por Miranda Sarmento para preencher tempo de antena, é reveladora do final dos 18 meses de espírito de campanha eleitoral dos governos de Montenegro, e de como quase tudo o que era simpático ou politicamente relevante já tinha sido anunciado ou acordado com o Chega, pelo que é provavelmente o documento do género mais descafeinado de sempre.
A partir de segunda-feira, face ao esgotamento da margem de manobra orçamental e do baú das promessas, vamos entrar na segunda fase do montenegrismo, marcada pela preocupação com o total domínio do aparelho de Estado, pela limitação do escrutínio político, comunicacional e judicial e pela resistência à degradação da economia, olhando para o sonhado longo prazo de vários anos sem eleições. Tudo isto, claro, salvo se mais uma vez uma qualquer grande surpresa nos faça cair o céu na cabeça.
Pela apresentação de um Orçamento sem chama, que demonstra a ausência de uma estratégia para lá da mera sobrevivência do Governo, e dele próprio no poder, o prémio Laranja sem Sumo de hoje vai para Luís Montenegro.
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