A política externa e a defesa eram tradicionalmente consideradas áreas de soberania geridas por políticos sensatos, geradores de amplos consensos. O compromisso europeu, a parceria atlântica na NATO e a relação muito especial com os países lusófonos foram sempre articulados com uma posição de equilíbrio histórico na relação com judeus e árabes.
É a capacidade de fazer pontes, promover o diálogo, sendo agentes ativos de boas soluções sem sermos vistos como ameaça que a nossa dimensão tornaria ridícula, que tornou o Portugal democrático numa singular potência benigna com um peso internacional muito superior ao de um país só com 10 milhões de habitantes e que é apenas a 45ª maior economia mundial. É isso que justifica, independentemente do mérito dos próprios, termos simultaneamente dois portugueses como Secretário-Geral da ONU e como Presidente do Conselho Europeu.
Relativamente à questão da Palestina, a posição portuguesa foi sempre pautada por uma relação ponderada com um Israel democrático e de apoio à existência de um Estado palestiniano na margem ocidental do rio Jordão.
Não temos a carga histórica do século XX alemão, mas temos uma longa relação com a comunidade judaica, com períodos negros como a expulsão dos judeus sefarditas no século XVI, que deram origem às comunidades de origem portuguesa falantes de ladino na Holanda ou em Istambul. Por outro lado, seis séculos de presença árabe e berbere tornaram o português a língua europeia com mais palavras oriundas do árabe, apesar da relação demasiado distante que temos com o nosso vizinho do Sul onde chegámos em 1415.
Líder de um pequeno partido apêndice do PSD, que há muito perdeu a aura de sofisticação política dada por Freitas do Amaral, Amaro da Costa, Lucas Pires ou Adriano Moreira, o ministro Nuno Melo tem demonstrado não ter sentido de Estado, cultura política nem visão cosmopolita, refugiando-se em arroubos marialvas sobre temas periféricos para mostrar alguma autonomia relativamente ao PSD e sonhar que ainda discute algum eleitorado com o Chega ou a IL.
Sempre que a asneira supera o tolerável refugia-se na capa de líder partidário, como se isso o tornasse inimputável, mesmo quando faz bravatas sem sumo como a de Olivença, com vários generais fardados atrás de si.
A posição de Nuno Melo sobre a questão da Palestina, alinhada com o militarismo trumpista e tolerante com o genocídio cometido pelos extremistas de Telavive, não só se afasta da posição timorata do Governo como envergonha o legado de Paulo Portas que votou a favor da admissão da Palestina como Estado com estatuto de observador na ONU.
Dizer que participantes numa flotilha pacífica atacada em águas internacionais são apoiantes do terrorismo revela falta de sentido de Estado, assim como permitir a circulação por território nacional de material militar destinado a Israel para agredir países que reconhecemos, sem abrir inquérito ao que se passou, exige o esclarecimento imediato e a assunção de claras responsabilidades políticas.
Tudo isto sob o pano de fundo da falta de transparência sobre o destino da nossa deriva orçamental brusca no sentido de atingir 2% em despesa militar já este ano.
Constitui, igualmente, um mistério a razão porque somos o País da União Europeia, sem fronteira com a Rússia, que mais se vai endividar junto do novo mecanismo de financiamento europeu para aumentar as despesas militares (2% do PIB que compara com 0,6% de França ou 0,1% de Espanha).
Para além do aumento súbito em 2025 em mais de mil milhões de euros da despesa em defesa e de um pedido de acesso a empréstimos de quase 6 mil milhões de euros, nada se sabe, nem tem havido escrutínio público nem parlamentar, sobre como isso é feito, com que incorporação de tecnologia nacional e criação de estímulos à economia, ou se apenas aumentando a despesa com salários e comprando armamento de preferência aos Estados Unidos.
Se são obscuros os desígnios de Nuno Melo em 2025, não surpreende a total opacidade sobre a estratégia de médio e longo prazo para atingir o compromisso de 5% do PIB com despesa militar, ou de relevância para a defesa, que foi assumido em nome de Portugal na última cimeira da NATO.
Sabemos que Nuno Melo é um orgulhoso colecionador de armas, que se opôs ruidosamente à limitação de posse privada de armas aprovada durante o governo de António Costa, e que gosta de fazer peitinho quando faz umas tiradas de durão em estilo militarista de sofá.
Mas hoje, como se verá ainda mais depois das eleições autárquicas, é uma duvidosa mais-valia para a governação de direita, dado que só surge como pequeno provocador a atiçar à zaragata entre os crescidos numa feira de gritaria imprópria em áreas de soberania.
Pela falta de sentido de Estado na complexa questão da guerra entre Israel e a Palestina e pela total opacidade na explicação sobre o aumento brutal das despesas militares, o ministro da Defesa Nuno Melo é o prémio Limão Azedo de hoje.