Foi na madrugada de 26 de agosto de 2024 que sentimos, em Portugal, um sismo que, embora não tenha causado danos, serviu como um alerta veemente: o risco sísmico em Portugal é real e presente. Agora, ao assinalarmos mais um aniversário do devastador terramoto de 1 de novembro de 1755, a pergunta continua a ser a mesma: estamos mais preparados do que estávamos? Infelizmente, a resposta é não. Infelizmente, passados 270 anos, Portugal continua aquém no que toca à proteção contra sismos.
A iniciativa ‘Recordar 1755’, promovida pelo Quake – Museu do Terramoto, e que apela a que os edifícios se iluminem de roxo como forma de promover medidas preventivas e de preparação para eventuais catástrofes, à qual o Grupo Ageas Portugal se associa, lembra-nos que a memória deve ser um veículo para a preparação. Não se trata de uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ o próximo grande sismo ocorrerá. E os dados são alarmantes: Lisboa é a segunda cidade europeia com maior risco sísmico, mas a realidade da proteção continua a deixar muito a desejar. Em Portugal, existe um protection gap de 81% no que toca ao risco sísmico. Isto significa que milhões de habitações não têm qualquer seguro para este risco, seja por não terem seguro multirriscos habitação, seja por o seguro contratualizado não incluir esta cobertura.
Esta vulnerabilidade representa uma fragilidade estrutural da nossa economia e sociedade. Num mundo onde o inesperado é cada vez mais habitual, a indústria seguradora tem a missão de transformar riscos e incertezas em custos fixos, garantindo a resiliência das Comunidades. As economias mais desenvolvidas, com maiores taxas de penetração de seguros, são as que recuperam mais rapidamente de eventos catastróficos. Adiar a construção desta resiliência é escolher um futuro mais instável e mais caro, em que o custo da inação será sempre superior ao preço da preparação.
Acredito que a solução existe e que está ao nosso alcance, por exemplo, através da criação de um Sistema Nacional de Proteção de Riscos Catastróficos. Este sistema nacional seria, a meu ver, um pacto de responsabilidade partilhada entre o Estado, as seguradoras, os resseguradores e os Cidadãos. A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e a Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões (ASF) têm vindo a defender publicamente a criação deste mecanismo, que já é uma realidade em outros países com riscos semelhantes, como Turquia – que fez aumentar o seguro sísmico de 5% para mais de 60%, o que foi crucial na resposta ao terramoto de 2023 – ou Itália, que tornou recentemente obrigatória a cobertura de risco sísmico para empresas, com o apoio de um ressegurador público.
Estes modelos provam que é possível mutualizar o risco, incentivar a prevenção e garantir que, após uma catástrofe, as famílias e as empresas recebem, de forma rápida, o capital de que precisam para se reerguerem. Deixamos de depender de ajudas estatais incertas para ter um sistema pré-financiado que protege o orçamento público e acelera a recuperação económica.
Em Portugal, temos o conhecimento técnico, o mercado de resseguro tem capacidade e as soluções estão testadas. Falta o mais importante: vontade de avançar. Tornar a cobertura de sismos obrigatória para quem tem um seguro multirriscos habitação reduziria a lacuna de proteção de 81% para 47% de um dia para o outro.
Recordar 1755 é um ato de responsabilidade! Mas a memória, por si só, não reconstrói casas nem a economia. É preciso agir. A indústria seguradora está pronta para fazer a sua parte. É tempo de todos os stakeholders se unirem com sentido de compromisso para que Portugal não seja apanhado, novamente, desprevenido. Façamos acontecer, antes que seja tarde demais.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.