A transformação digital tem vindo a impor uma reconfiguração estrutural ao mercado de trabalho, com particular destaque para o impacto da Inteligência Artificial (IA). A literatura contemporânea é consensual em reconhecer que a adoção generalizada de sistemas inteligentes representa não apenas um avanço tecnológico, mas sobretudo uma mudança paradigmática na forma como concebemos a formação profissional e a educação ao longo da vida.
As tendências atuais apontam para modelos de aprendizagem mais flexíveis, híbridos e centrados no indivíduo. Conceitos como lifelong learning (aprendizagem ao longo da vida) e upskilling/reskilling tornam-se centrais na estratégia de adaptação dos trabalhadores a um ambiente laboral em permanente mutação. O paradigma clássico de uma formação inicial seguida de uma carreira estável revela-se obsoleto. A exigência contemporânea é de atualização contínua, em ciclos curtos, suportada porplataformas digitais, realidade aumentada e sistemas de ensino personalizados por algoritmos.
Neste contexto, coloca-se uma questão fundamental: até que ponto a IA substituirá ou transformará as profissões existentes?
Estudos prospetivos indicam que tarefas administrativas, rotineiras e analíticas serão progressivamente automatizadas. A automatização promete ganhos de eficiência, mas implica igualmente a redução significativa de postos de trabalho em setores de elevado peso tradicional, como contabilidade, análise de dados ou logística.
Contudo, importa sublinhar que esta “aniquilação” não é universal. Certas profissões demonstram uma resiliência intrínseca, sobretudo aquelas que dependem de competências manuais, tácitas e contextuais. Ofícios como eletricistas, mecânicos, canalizadores ou técnicos de manutenção continuam a exigir intervenção física, julgamento situacional e improvisação criativa — dimensões ainda inatingíveis para sistemas de IA. Não será esta uma oportunidade para a revalorização social e económica das chamadas profissões clássicas?
Do ponto de vista educativo, coloca-se o desafio de equilibrar a formação para profissões emergentes (associadas à digitalização e à inteligência artificial) com a preservação e modernização dos ofícios tradicionais. Se a educação se centrar apenas em competências suscetíveis de substituição tecnológica, arrisca-se a condenar gerações futuras à obsolescência profissional. Por outro lado, a ênfase em competências transversais — pensamento crítico, capacidade de adaptação, empatia,criatividade — poderá constituir um antídoto contra a desumanização do trabalho.
Em suma, a evolução da formação profissional encontra-se num ponto de inflexão: deverá preparar o indivíduo para competir com a IA ou para complementar aquilo que a IA não consegue reproduzir — a dimensão profundamente humana da ação e do conhecimento? A resposta a esta questão será determinante para a sustentabilidade das profissões do futuro e para a coesão das sociedades contemporâneas.
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