Segundo William James (1842-1910), “a maior descoberta da nossa geração é que o ser humano pode alterar a sua vida mudando a sua atitude mental”. Se eu estiver sempre reativo, insatisfeito com tudo o que me acontece, esse será um sentimento que me vai dominar e não me vai deixar VER “com verdadeiros olhos”, aquilo que já é positivo na minha vida. Quando ouvimos a frase que devemos ser gratos pelo que temos, apodera-se de nós um sentimento de ser “mais do mesmo”, de senso comum, porque, achamos nós, já somos agradecidos. Na grande maioria acredito que seja uma ilusão, mas isto é algo que se pratica.
No final do dia, quando olho para os meus filhos a dormir, sinto um bem-estar e agradecimento que me comovem, e que, por isso, são inexplicáveis. A dificuldade inspira a gratidão e, talvez por saber que a maternidade, como em tudo na vida, não é um dado adquirido, existe esse sentimento de se ser grato, de forma ortodoxa, ou não, crendo em algo superior, ou não.
A famosa “pirâmide de Maslow” que tanto me fez sentido, quando a aprendi no currículo da Psicologia, espelha as nossas necessidades, enquanto seres humanos, e a sua satisfação em prol da realização pessoal. Com efeito, existem necessidades fisiológicas (como comer, beber, dormir), de segurança (de proteção, de ter um lar, um ambiente seguro), sociais (sentimento de pertença, de estar conectado socialmente, de ter amigos), de estima (desejo de reconhecimento que impacta a nossa autoestima), e de autorrealização (quando sentimos que atingimos o nosso potencial completo, o topo da pirâmide).
É muito fácil de compreender: se não tivermos as necessidades da base da pirâmide suprimidas, não podemos aspirar a degraus superiores; ou seja, uma vítima em Gaza, no meio do flagelo da guerra, não tem nem necessidades fisiológicas, nem de segurança garantidas, é uma sobrevivência apenas, não uma vida plena. Logo aqui já temos algo que devemos valorizar, enquanto pessoas individuais, enquanto sociedade (basta não estar numa situação de guerra, seja ela qual for, todas são condenáveis). Devemos ser gratos por conseguir comer, dormir, pequenas-grandes coisas que temos como garantidas. Somos sociedades tão supostamente evoluídas como mimadas, sempre a aspirar a mais, e quase sempre materialmente, sem valorizar o que já temos. Eu aqui introduziria uma “nuance” nesta fantástica e tão gráfica “pirâmide de Maslow”, o sentirmo-nos felizes pelos outros, sentirmo-nos realizados pela realização dos outros, porque se alguém próximo está a passar por uma situação de injustiça, indignidade, é impossível sentirmo-nos completamente felizes, ou deveria ser… Aqui remete-nos para a questão da empatia. Esta palavra do grego “empatheia” (em, dentro) e “pathos” (sentimento, paixão, sofrimento), “calçar os sapatos do outro”, deixar-se afetar pelo sentimento do outro, mesmo não partilhando dele, conectar-se com o outro, compreender e valorizar.
Viktor Frankl, psiquiatra e neurologista judeu, que esteve preso em campos de concentração como Auschwitz, Dachau, perdeu a sua família, sobreviveu, e entre a sua prática psicoterapêutica e a carreira de docência universitária, escreveu inúmeros livros inspiradores, seguindo o lema de que o nosso maior poder pessoal é a nossa liberdade em escolher a resposta/reação. “Não é o que nos acontece que nos magoa, é a nossa resposta a isso que o faz!” Foi este mote que lhe permitiu sobreviver a um pesadelo e manter vivas a coragem e a esperança, quando já não há motivos para tal. Isto impactou-me, e levou-me a uma reflexão profunda: desde jovem, achava eu que seria impossível viver de forma plena com uma patologia crónica, seria limitador de tudo o que eu poderia vir a ser. E até certa altura foi, mas quando escolhemos quebrar esse ciclo de que não somos vítimas do nosso destino, mas também temos poder de decisão e escolha, aí sim, há um sentimento de empoderamento, que nos traz mais energia, segurança e sobretudo esperança, otimismo.
Mesmo perante uma sentença (qualquer que seja, e daí a minha admiração por um acontecimento tão extremo como o da vida de Frankl), mesmo assim, poder ter a liberdade de escolher como a viver, como a sentir no nosso templo sagrado, o nosso eu. A propósito disto, numa formação da metodologia Ubuntu, ouvi que somos os “capitães do nosso destino”, ou mais especificamente, segundo o escritor William Ernest Henley, no poema “Invictus”: “Eu sou o mestre do meu destino, eu sou o comandante da minha alma”. E dirão os leitores, isso é impossível, porque não escolhemos o que nos acontece. Verdade, mas podemos escolher como vamos reagir ao que nos aconteceu. E daqui parto para alguns ensinamentos da Psicologia Positiva. Por vezes, colocamos um peso muito grande em acontecimentos passados negativos, sentindo-nos incapazes de mudar o nosso pensamento para algo mais positivo, ou seja, acabamos por nos focar mais em sentimentos negativos, apagando também acontecimentos positivos que nos construíram, igualmente. Daí o sentimento de gratidão, que comecei por enunciar, ser um dos segredos para se sentir satisfação em relação ao passado, orgulho, e realização pessoal. Isto, porque o sentimento de felicidade real, transversal, deixa de ser circunscrito a acontecimentos específicos. Ou seja, nós não somos felizes por causa daquele cargo que conseguimos, daquela viagem, ou daquele carro. Nós somos realmente felizes, quando somos capazes de apreciar o que já temos, e não no sentido material, mas, principalmente, no sentido humano e afetivo, pois somos seres sociais.
Eu considero-me feliz e grata por aquilo que tenho. E o meu caro leitor?
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