A 28 de junho, José Luís Carneiro foi eleito secretário-geral do PS com 95% dos votos. Uma unanimidade assinalável que passou uma mensagem clara para a sociedade – O PS estava unido. Mesmo que Carneiro tenha vencido apenas por falta de comparência de qualquer adversário. Mesmo que tenha ganho um bocado como aquele treinador da equipa dos juvenis que furou os pneus da carrinha do adversário para que não se pudessem deslocar.
Ainda antes de ser eleito, José Luís Carneiro disse ao que vinha – O PS é que era o líder da oposição por ter sido a segunda força política em votos nas eleições – ainda o partido e o País lambiam as feridas da ultrapassagem à direita do Chega, que tinha acabado de ficar à frente do PS em número de deputados. Mas a oposição que Carneiro queria ser era uma oposição “responsável”.
Desde aí, a oposição do PS tem-se caraterizado por uma busca obsessiva, tantas vezes vã, por acordos com o governo em todas as matérias. Como forma de mostrar à sociedade que o PS é tão “responsável” que até consegue flexibilizar os seus valores aos desígnios mais direitistas, conservadores e às vezes populistas da AD. Mas já lá vamos a exemplos.
Nos primeiros dias como secretário-geral, José Luís Carneiro fez questão de recuar 12 anos, aos belos tempos da oposição ao governo da troika, em que os tempos difíceis exigiam “muita seriedade e ponderação”. Aqueles tempos de política racional que em tanto divergem da emotividade excessiva que hoje carateriza os extremismos e que fez crescer o Chega em Portugal. Esquece-se é que já passaram muitos anos desde que a política tradicional foi morta e enterrada e as pessoas agora gritam por uma mudança, num mundo cada vez mais complexo em que a própria Democracia é posta em causa.
Nas suas escolhas pessoais, voltou a colocar Eurico Brilhante Dias a líder parlamentar, um quadro de enorme valor e inteligência, embora mais hábil para tempos de governo do que para oposição. Na direção nacional do PS, não injetou futuro, ficando com figuras de proa do Partido de fora do Secretariando Nacional como Marina Gonçalves ou Miguel Costa Matos, ou nomes fortes atuais como Marta Temido, Pedro Delgado Alves e Miguel Prata Roque.
Deixou para Isabel Moreira e Pedro Delgado Alves todos os momentos de crítica ao governo, mostrando-se pessoalmente incapaz de dirigir qualquer palavra contra o governo da AD. No estilo, a comunicação do PS regrediu anos, também, e voltou aos tempos do vazio político e das lideranças que não se queriam comprometer com nada.
Limitou-se nos primeiros tempos a apresentar candidatos autárquicos que não tinha escolhido e sobre os quais não tinha qualquer responsabilidade. Fê-lo com discursos inócuos que não acrescentaram nada ao interesse local de cada autarquia. Para o bem e para o mal, e como o próprio já assumiu, não tem qualquer responsabilidade sobre os resultados autárquicos.
No primeiro debate quinzenal em que esteve frente a frente com o primeiro-ministro, escolheu aquele tema que é, verdadeiramente, o anseio de… absolutamente ninguém – a reforma administrativa. Ainda pouco se lhe ouviu sobre os custos da habitação, as polémicas na saúde ou a sempre esquecida, mas mais fundamental que tudo, crise climática que estamos a viver.
Nos incêndios, a propósito, aí sim José Luís Carneiro foi magnânime. Pôde usar dos seus resultados e experiência como antigo ministro da Administração Interna para antecipar, sempre, o que é que o governo devia ter feito e só acabou por fazer dias depois. Nesses dias, teve boa imprensa e destacou-se pela competência face ao desnorte total de Montenegro e da sua ministra. Menos bem, e sintomático da sua atitude “responsável”, esteve quando da ministra da Administração Interna se ouviu que “os números meios aéreos são irrelevantes” no combate aos incêndios. Em vez de retirar a óbvia ilação que esta ministra era incompetente para o cargo, recusou-se a comentar e foi a própria Proteção Civil desmentir a ministra.
Bem esteve, também, quando rebentou a polémica das vagas em medicina na Universidade do Porto, quando o Reitor acusou altos dirigentes de o pressionarem para abrir vagas para cunhas, a estudantes com notas abaixo da média. No meio de uma absurda troca de acusações e numa tentativa de inverter o ónus da culpa, o ministro da Educação veio dizer que aceitaria a demissão do Reitor. Foi José Luís Carneiro quem veio recordar, com classe e inteligência, que essa não era a competência do ministro, que o Reitor era eleito entre pares, presta contas apenas ao conselho geral da Universidade e que o ministro, como académico, sabia disso.
Ainda em julho, quando o Governo aprovou o decreto de reprivatização da TAP, José Luís Carneiro pôs-se ao lado do governo. Considerou a privatização da TAP “adequada”, ignorando o seu valor estratégico para o País e os muito melhores resultados que a empresa teve, nos últimos anos, sempre que esteve como pública e foi intervencionada pelo Estado.
Em agosto, arruinou a boa iniciativa de percorrer a Estrada Nacional 2, com momentos cringe a beber cafés, a passear-se de mão dada com a esposa e em vídeos à saída de casa de autarcas onde teve o prazer de “passar a noite” e ser “muito bem recebido”.
E agora que a Lei dos Estrangeiros voltou ao Parlamento depois de ter sido esmagada pelo Presidente da República e pelo Tribunal Constitucional, o que disse José Luís Carneiro? Virtualmente nada. Tentou dar a mão ao Governo, puxar-se para a mesa da negociação com a AD sobre uma lei que só existe por populismo, xenofobia e ignorância. E foi absolutamente incapaz de denunciar o pacto de regime entre o centro e a extrema-direita para atacar os imigrantes num país que, seja polémico ou não, precisa brutalmente de imigração.
Em suma, resta saber se a estratégia do PS de não se distanciar do Governo é tática ou convicção. José Luís Carneiro parece indistinguível daquela ala ao centro do PSD que ainda conserva alguma coisa da matriz social-democrata originária do partido. Aliás, a principal diferença entre José Luís Carneiro e um Rui Rio, é que deste último ainda se vai ouvindo aqui e ali algumas farpas ao PSD.
Em tudo isto, José Luís Carneiro é um político engomado num tempo sujo, tradicional num tempo novo, racional numa década de emoções, ponderado num momento que exige ações. É uma divergência, uma cabeça de avestruz enterrada na areia e uma espécie de político em vias de extinção, num oceano de predadores desejosos de esventrar o Partido Socialista. Será o violinista ou o comandante que se afundará com o Titanic? Espero estar errado, mas não lhe antevejo mais opções.
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