Desde há muito que se vem a consolidar a necessidade de uma maior e melhor colaboração, ou cooperação, entre os Estados europeus para responder de forma eficaz ao fenómeno da nova criminalidade transnacional, considerando que “problemas transnacionais exigem respostas transnacionais”.
De acordo com o art.º 2.º do Tratado da União Europeia (atualmente com redação no art.º 3 do Tratado de Lisboa), é objetivo da União a manutenção e desenvolvimento enquanto “espaço de liberdade, de segurança e de justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa, asilo e imigração, bem como de prevenção e combate à criminalidade”, através do qual se pretende “facilitar a livre circulação de pessoas, sem deixar de garantir a segurança dos seus povos”.
Tendo em conta esta premissa oferecida pela abertura das fronteiras, bem como o acesso a sistemas informáticos, a redes sociais e canais de comunicação eletrónica rápida, de que também beneficiam os delinquentes e criminosos, tornou-se cada vez mais frequente o cometimento de crimes em territórios que revelam diversas jurisdições.
O exemplo mais paradigmático e atual é o combate à criminalidade informática, cujos intervenientes (agentes do crime) são dotados de elevadas capacidades e meios técnicos especializados e, quase sempre, de cariz transnacional.
Para o efeito, a União Europeia tem vindo a conceber mecanismos jurídicos de combate a este tipo de fenómenos que exploram as vantagens no espaço europeu para desenvolver as suas atividades e atingir os seus objetivos.
Nesse sentido, tornou-se necessário implementar medidas de compensação no combate e prevenção da criminalidade transnacional, considerando que a segurança em âmbito nacional, isoladamente, deixou de ser suficiente para fazer frente a esta tipologia de crime. Diante de tal fenómeno a União Europeia aprofundou a cooperação entre as polícias e as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, além da harmonização progressiva de legislação penal.
É disso exemplo a Convenção de Aplicação do Acordo Schengen (CAAS) que, além de impor aos serviços policiais uma obrigação de assistência mútua e intercâmbio espontâneo de informações por intermédio de uma autoridade central (que em Portugal é assegurada pelo Gabinete Nacional Sirene), confere aos agentes de polícia o direito de prosseguirem operações de vigilância no território de outro Estado parte, introduzindo importantes exceções ao princípio da territorialidade da ação policial.
Também de realçar a importância do Sistema de Informações Schengen (SIS) para a concretização prática do Acordo. O Sistema de Informações Schengen é uma rede informática composta pelos Sistemas Nacionais ligados a um sistema central, permitindo assim às entidades nacionais competentes em matéria de controlo de fronteiras e aos agentes da polícia um acesso rápido a informação sobre várias categorias de pessoas e de objetos.
Só assim foi possível concretizar, ao nível do Direito Comunitário originário, o princípio da livre circulação de pessoas e instituir, no âmbito da cidadania da União, o direito dos nacionais dos Estados-Membro de circularem e permanecerem no espaço da União Europeia, concebido como um espaço de liberdade e sem fronteiras internas.
Para aqui chegar, foram historicamente decisivos os Tratados de Maastricht e de Amesterdão que introduziram avanços e fortaleceram as Instituições no que se refere ao Terceiro Pilar – Cooperação policial e judiciária em matéria penal. E de facto os resultados não deixam dúvidas: dotaram o Terceiro Pilar de organismos próprios (EUROJUST e EUROPOL), de instrumentos normativos (decisões-quadro, decisões e convenções) e fortaleceu a competência do Tribunal de Justiça.
A nível nacional, a Procuradoria-Geral da República é a Autoridade Central designada para a receção, transmissão e demais tramitação dos pedidos de cooperação judiciária internacional em matéria penal, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, sendo esses serviços assegurados pelo Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais.
Em síntese, a cooperação judiciária, como hoje a conhecemos, só foi possível pela necessidade de garantir a segurança dentro de um espaço europeu sem fronteiras, facilitadora de uma harmonização legislativa penal e da evolução do princípio do reconhecimento mútuo. Estes três elementos são, hoje, sem dúvida as alavancas do desenvolvimento de um direito penal europeu.
Na verdade, o cenário atual resultou na abertura e partilha dos Estados, seja por convenção seja por tratado, de parte da sua soberania em matéria penal, conduzindo a uma proximidade entre as autoridades de cada Estado-Membro, propiciando-se o seu conhecimento mútuo e a criação de canais apropriados de comunicação o mais diretos possível, logrando-se uma maior rapidez nas formas de transmissão que visam respostas mais eficazes à criminalidade transfronteiriça e transnacional, com vista a proteger um fim comum que foi colocado nas “mãos” de todos os Membros da União: a segurança.
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