A história soa familiar e rapidamente nos remete para um qualquer filme do tipo James Bond, em que um vilão quer tornar-se o senhor todo-poderoso de um mundo distópico, depois de controlar a informação e, através dela, as mentes dos habitantes do planeta. O projeto de Elon Musk de aumentar, até 2025, os utilizadores do Twitter dos atuais 271 milhões para 600 milhões e, até 2028, para 931 milhões, bem pode ser o início desse mundo distópico, sobretudo, se o visionário empreendedor americano estiver a ser movido por uma ideia… e não apenas por dinheiro. O dono da Tesla comprou o Twitter por 44 mil milhões de dólares. Preferiu fugir a uma decisão judicial (que lhe fora movida pela rede social, após ter anunciado a compra e, depois, desistido), ou mesmo a um acordo (que implicaria uma tremenda indemnização…), e preferiu desembolsar os 44 milhões no que reconhece ter sido um mau negócio: “É um preço muito superior ao valor do Twitter.” Então porque o fez? Quando este tipo de empresários só pensa em dinheiro, do mal, o menos. O pior é se têm ideais, e esse é o principal receio dos muitos utilizadores que, nas 24 horas seguintes, pesquisaram maciçamente a opção “como apagar o Twitter” – um crescimento de 1 011% – ou os que procuraram alternativas ao Twitter – um aumento de 300% – com a rede social alemã Mastodon a ser a aparente principal beneficiária, com um aumento de pesquisas de 455,5% (tudo números da Wisetek, uma empresa especialista em serviços de tecnologia da informação). O primeiro gesto de Musk foi o de despedir os executivos que o tinham processado. O CEO, Parag Agrawal, o diretor financeiro, Ned Segal, e a chefe do departamento de Confiança e Segurança da rede, Vijaya Gadde, estiveram entre os que foram escoltados até à porta de saída da sede da empresa, num gesto de demonstração de poder decalcado do estilo de Xi Jinping, no recente congresso do PCC. Logo a seguir, remetendo para o logótipo do Twitter, Elon Musk tuitou: “O pássaro está livre.”
Menos filtros e menos moderação de conteúdos pode ser a tendência da era Musk, para “salvaguardar a liberdade de expressão”. Sendo que, se der roda livre às fake news (que motivaram a expulsão de Donald Trump da rede) e ao discurso do ódio, Musk pode querer, ao contrário, orientar aquilo a que chama “liberdade de expressão” num certo sentido e condicionar as temáticas da discussão no seu fórum de 931 milhões de utilizadores: afinal, fake news e ódio são registos muito mais apelativos para a massa comum e podem vir a ser dominantes, o que torna essa massa muito mais manipulável, como o referido (oligarca?) muito bem sabe. Donald Trump, que ainda se mantém exclusivamente na sua própria rede social, a Truth, não deixou, porém, de abençoar a mudança de liderança no Twitter, onde o seu regresso é aguardado por um Elon Musk de braços abertos. Trump escreveu que “o Twitter está nas mãos de uma pessoa sã, em vez dos doidos da esquerda radical”. Escusado será dizer que, na opinião polarizada dos milhões de seguidores de figuras como Trump e Bolsonaro (ou André Ventura), toda a esquerda, claro, é radical e pretende impor um socialismo de inspiração venezuelana… “Ao final do dia” – para conceder a uma expressão de origem anglo-saxónica bastante irritante – entraremos numa era em que os potentados empresariais já não se movem apenas por dinheiro, mas por uma ideia de sociedade. Se calhar, no fundo, foi sempre assim e o que há são novas ferramentas. “É a política, estúpido.”