Layla é uma mulher síria. Está sozinha e tem 50 anos de idade, apesar de parecer que tem 80 anos, devido a uma expressão facial marcada pelo sofrimento. Armand é um adolescente ingénuo e assustado. Está desacompanhado e fugiu do Afeganistão. Sophie é uma jovem adulta dos Camarões. Tem 29 anos e está sozinha. É difícil estabelecer com ela contacto visual porque está sempre a olhar para o chão. Joseph é um jovem adulto desacompanhado. Fugiu do Togo. Tem muitas cicatrizes no corpo, mas desde que chegou a Lesbos, na Grécia, dizem-lhe que o Togo é um país seguro. Uma família proveniente da República Democrática do Congo é constituída pelo pai, Jean, pela mãe, Marie, e pela filha, Thérèse. O carinho pela filha esconde a violência de que foram vítimas.
Aleatoriamente, encontram-se todos numa noite escura no final de Dezembro de 2019. Podia ser o início de uma anedota. Mas não é. As histórias de hoje e as histórias que se seguirão falam das vidas de pessoas reais que estiveram, ou que ainda estão, em Lesbos em busca de proteção e de segurança.
O ponto de encontro foi uma casa abandonada junto ao mar. A travessia entre a Turquia e Lesbos estava planeada para começar à meia noite. Por volta das nove da noite começaram a chegar todos os que iriam tentar embarcar. Ao todo eram cerca de 30 pessoas. Para muitos não era a primeira vez que procuravam entrar na Europa. À hora marcada, o grupo saiu da casa, depois de verificar que não havia polícia por perto. Por volta da uma hora da manhã, o barco zarpou da costa turca com rota traçada a Lesbos. O mar estava com alguma ondulação, mas não demasiado perigoso. Por isso, a viagem foi feita sem grandes obstáculos.
Ao amanhecer, o grupo estava quase a chegar ao pé da costa grega quando um barco da Guarda Costeira Grega se aproximou. Desta vez, ao contrário do sucedido em outras ocasiões, o grupo conseguiu proteger-se numa zona com bastantes rochas. A maré baixa impediu o barco que os perseguia de continuar a avançar. Assim que avistaram o navio da Guarda Costeira, de fácil identificação devido ao seu tamanho, alguns começaram a gravar e outros começaram a contactar organizações que trabalham em missões de salvamento no Mediterrâneo.
Mal chegaram a terra, esconderam-se numa zona arborizada. Estava escuro e a única luz que tinham era a das lanternas dos telemóveis. Alguns foram detidos pela Polícia Grega e ilegalmente devolvidos à Turquia, impedidos de requerer asilo em território da Grécia e da União Europeia. Os restantes escaparam. Depois de se manterem escondidos durante um dia, este grupo chegou finalmente ao campo de Moria a pé. À chegada, Layla, Armand, Sophie, Joseph, Jean, Marie e Thérèse foram registados por um agente da Frontex, agência da União Europeia na qual o Governo grego delegou esta responsabilidade em Lesbos. Todos, com exceção de Thérèse, ficaram identificados como adultos. Esperaram pelo processo de registo, com refugiados chegados em outros grupos, num espaço aberto.
Efectuado o registo, foram encaminhados para os locais onde deveriam ficar até os seus processos de asilo estarem concluídos. Layla e Sophie foram remetidas para a zona das mulheres solteiras – uma zona um pouco mais protegida. Armand foi colado na grande grande tenda dos homens desacompanhados – a sua idade foi ignorada. Jean, Marie e Thérèse foram encaminhados para um local onde poderiam montar uma tenda familiar. Ficaram já fora dos limites do campo oficial. Por ser oriundo de um país classificado como “seguro”, Joseph foi preso.
No início de Janeiro de 2020, as sete pessoas integrantes deste grupo de requerentes de asilo viram as suas entrevistas de asilo ser remarcadas para 2021 em decorrência da entrada em vigor da Lei nª 4636, de 1 de Novembro de 2019, que deu prioridade ao processamento dos pedidos de asilo de pessoas que chegaram à Grécia a partir do início de 2020. Tal como muitos outros refugiados que entraram em território da UE antes de Janeiro de 2020, ficaram bloqueados numa espécie de limbo.
Vinham todos com a expectativa de que assim que chegassem à Europa estariam num local seguro, em espaços dignos. Contavam poder começar rapidamente a reconstruir as suas vidas. Contudo, essa esperança foi diminuindo. Todos foram obrigados a perceber que o caminho, a existir, iria ser longo. Demasiado longo.