Há anos que não se esquecem e depois há 2020, que gostávamos de arrancar do calendário mas que nem sequer sabemos se nos fez mudar, literalmente, de mundo ou se é “apenas” o início de uma crise sanitária e económica como nenhum dos que estão vivos imaginou possível.
A pandemia, enquanto corria o mundo ceifando milhões de vidas, acelerou brutalmente várias das tendências que marcam a geopolítica global desde o início do século. A revolução digital e o seu impacto na economia, por um lado, e a emergência da China − a economia menos afetada pela pandemia − como bloco geopolítico oponível aos EUA são realidades que antecipávamos no futuro mas não tão à bruta como este ano acabou por forçar.
Mesmo que não seja possível prever como vamos ser, o que vamos mudar, depois disto dificilmente voltaremos a ser exatamente como antes. Quanto tempo vamos trabalhar e estudar em casa? Quão próximos vamos querer estar uns dos outros em multidão? Quando e quanto vamos voltar a viajar? Vamos mudar de padrão de consumo ou recuperar disto numa orgia de compras e viagens para fazer disparar a pandemia do clima de vez? Que vida vai ser a nossa, é pergunta que nunca me deixou tão sem resposta.
Fazer explodir o consumo para recuperar deste ano, se preciso inventando dinheiro, é naturalmente o desejo óbvio dos políticos e de quem se afundou nesta crise económica sem precedentes…
Mas antes disso, para que a recuperação seja possível, ainda temos de travar a pandemia e estamos para isso dependentes da capacidade de administrar, em 2021, uma vacina com uma rapidez nunca experimentada à população mundial que (nos casos em que há liberdade para isso, bem entendido) mostra muita desconfiança da coisa.
Como nem tudo pode ser mau e estamos na edição de Natal, uma pausa para registar o par de tendências que são os sinais positivos do ano, além da extraordinária capacidade − obrigado, globalização − de fazer vacinas à velocidade da luz.
O populismo, onde mandava, mostrou a sua congénita pobreza de soluções para resolver problemas e a pandemia derrotou Trump, coisa que Biden não teria feito sozinho. A outra boa notícia é a de que a União Europeia evitou a sua morte anunciada com um pacote de assistência feito de dívida comum garantida pelos Estados-membros, solução a que sempre resistiu no passado recente.
Infelizmente, nem uma nem outra, o ocaso do populismo e a solidária bazuca europeia, são necessariamente notícias esperançosas para Portugal.
O populismo, por cá, vai ter um teste já no mês que vem. Nas eleições presidenciais, apesar de não haver adversário ao moderado Marcelo Rebelo de Sousa, o segundo lugar é já disputado entre dois despudorados populistas − Ana Gomes e André Ventura − que não hesitam em acicatar as pessoas contra as instituições políticas e judiciais que são, com as suas falhas, sempre o garante da nossa liberdade.
Infelizmente numa semana dominada pelas peripécias do ainda ministro Cabrita e dos seus boys, ou quando António Costa interrompe a contenção da pandemia para tentar uns votos no Natal, está, com o PS a ser PS, instalado o caldo de cultura de que se alimenta o populismo e, apesar da nossa costumeira apatia, não é de enjeitar o risco de a desigualdade galopante levar à exaustão pelo pior caminho.
Já a bazuca, quando chegar, vem, desde logo, para um duelo cara a cara com a brutalidade das moratórias de crédito que, segundo o Banco de Portugal, são já 13 mil milhões de euros num dos países mais endividados da União.
Mas, sobretudo, quem nos garante que é desta que aproveitamos o dinheiro da política de Coesão quando, nos últimos anos, perdemos terreno e somos cada vez mais ultrapassado por todos, o mais pobre e desigual país da União?
Como dizia Passos Coelho, na semana passada: “Que Europa é esta que só prejudica Portugal em termos relativos?”
Continuando a citar esse teimoso, porque ele diz tudo: “Será finalmente conveniente perguntarmo-nos que Portugal é este que não consegue fugir à cauda da Europa quando praticamente todos os outros conseguem? A resposta terá de ser dada por nós próprios, olhando para dentro da sociedade portuguesa e mudando o que é preciso.” Seremos capazes? Pouco mais conta em 2021.
(Opinião publicada na edição 1451 de 24 de dezembro)