A polarização moral da política, que tenho descrito em vários artigos, tem motivado um léxico político beligerante, conflitual, e tem instigado um estado de permanente exaltação, fleuma. Faz sentido, porque a polarização presume um conflito moral que só admite um vencedor; e a fleuma é condizente com o universo das redes sociais, onde há violência verbal e uma predisposição para a deslegitimação do outro.
A ideia é simples: a democratização da opinião nas redes sociais revelou uma maioria social escondida pelos jornais e que, agora liberta, pode enfim dizer que basta, e que está na hora de agir, de agir com mais força; e essa maioria escondida precisa de voz, de quem dê consequência a essa fúria, de quem venha acabar com a cobarde moderação.
E assim surgem expressões políticas, à esquerda e à direita, uma reagindo à outra, que tentam representar essa maioria furiosa. À esquerda, acusam os socialistas e sociais-democratas de coniventes com o capital, instrumentos idiotas ao serviço do capitalismo. À direita, chamam de cúmplices do politicamente correto aos conservadores e liberais, tontos que não veem os planos de destruição da civilização cristã.
O permanente estado de exaltação, em que tudo é elevado a questão civilizacional, em que quem não está connosco está com os inimigos, em que quem não quer eliminar ou deportar ou banir ou obrigar ou proibir é porque é um cobardolas, é eficaz para agigantar a aparência do fenómeno. E o espaço das redes sociais, em que tanta gente se transforma e desabafa a sua fúria, tem tudo para ser confundido com esse tal sentir maioritário.
No ar fica, portanto, esta ideia de que os moderados já pouco representam, de que já pouco têm a dizer às massas, agora libertas das grilhetas impostas pelo capitalismo ou pelo marxismo cultural. Fica a ideia de que são uma nova minoria. E isso constitui uma pressão sobre os partidos moderados: há décadas a aprender que é preciso ouvir as pessoas, que outra coisa não lhes resta senão sucumbir a essa maioria.
Tenho defendido, mais até por intuição, de que essa pressão, de que essa maioria silenciosa agora em fúria, não passa de uma ilusão, de uma minoria mais vocal, de um conjunto não irrelevante de pessoas que enche comícios e inunda redes sociais de comentários, mas que está longe de ser representativa.
É um erro sucumbir-lhe, deixando-se levar pelos seus temas e fleumas, porque ela não passa de uma reunião conjuntural e desordenada de desilusões. Enquanto reunião de frustrações pode resultar, mas na hora de as canalizar para um projeto de resposta não só perdem pessoas como assustam muitas mais. Quem ceder a ela, para ir ao encontro do sentir profundo da sociedade, acordará num beco exíguo.
Foi nesse erro que incorreu Pablo Casado, líder do PP espanhol e com quem simpatizo, que se assustou com o barulho do VOX nas redes e nos comícios e depois na imprensa. O barulho era de facto enorme e os comícios estavam cheios de gente a dizer que o PP era a direitita cobarde.
E o PP, que tinha os resultados da sua política para apresentar, foi atrás do VOX para os temas da família e da doutrinação e do marxismo cultural e da desconfiança quanto à violência de género, deixando tudo o mais a descoberto. Chegou a admitir fazer governo com eles. Não admira que Pedro Sánchez agitasse o medo da radicalização para se passar por moderado.
Sucede que a maioria social não passa a vida em caixas de comentários nem se entusiasma com comícios (alguns dos comícios cheios do VOX foram em sítios onde não elegeram ninguém). É ela que está a ser negligenciada por quem se obceca com as redes sociais. E o sentir maioritário da direita, mesmo da que coincide com o VOX em alguns temas, reflete-se de forma diferente na hora de escolher o governo, onde querem ver realismo e sensatez (e, claro, inspiração).
Atenção, que o sentimento de revolta das pessoas que votaram VOX não é negligenciável, e muitos dos problemas por estes apontados são reais – sendo por isso um erro catalogá-lo de extremo, ofendendo os seus eleitores (se não existisse Podemos, e um Sánchez tão dependente dele, haveria espaço para o VOX? Duvido).
O erro absoluto é pensar que esse sentimento de revolta e que esses problemas só podem ser satisfeitos através das propostas e linguagem fleumáticas, platónicas, utópicas e imediatistas.
Esse género de movimentos serve para protesto, mas não para um futuro. Daí que o desvio do PP para tentar estancar o VOX, para ir de encontro ao sentir da maioria silenciosa, se tenha saldado no pior resultado de sempre do PP.
Não, a moderação não morreu, nem está mal de saúde. Está viva, tão pujante como nunca. Só precisa que não desistam dela, e lhe saibam dar um projeto inspirador e mobilizador.
(Opinião publicada na VISÃO 1366 de 9 de maio)