A polémica sobre as alterações à lei de financiamento dos partidos escancarou a credibilidade que estes têm na sociedade portuguesa, e que é quase nenhuma.
Há uma presunção quase inilidível de incompetência, desonestidade, falta de seriedade, um certo pressuposto, quase impossível de rebater, de que os partidos políticos representam o pior, o menos bom, o refugo.
A natural tendência dos partidos é sentirem-se injustiçados, mal compreendidos, cientes de que nem tudo é mau, de que nem tudo é feito com viés, com vontades ocultas, que há coisas que podem ser explicadas, que devem ser contextualizadas, que há trabalho intenso, positivo, que há muita gente dedicada, altruísta.
Tudo isso será verdade, mas é um erro profundo reagir com sensação de injustiça, como se o problema estivesse nas pessoas e nos seus preconceitos e não nos partidos e na sua forma de se relacionarem com os cidadãos.
Essa sensação de injustiça acaba quase sempre na crítica às redes sociais, à comunicação social ou ao excesso de transparência, com os partidos em defesa, num reduto, num fútil exercício de vitimização que só agrava a desconfiança que os portugueses sentem. É que, por norma, essa crítica incentiva os partidos a virarem as costas: se estão condenados a serem incompreendidos, o melhor é resignarem-se e passarem de fininho.
Significa isto que os partidos devem aceitar como bons os preconceitos da sociedade, não procurar repor a verdade? Não, significa que o caminho não pode ser o de negar e negar e negar, falando em circuito fechado, à defesa, mas deve antes ser o da abertura, da transparência e da humildade. Humildade, sim, que é essencial, porque pode haver muita injustiça nas críticas que se fazem aos partidos, mas há com certeza uma boa dose de justiça que tem de ser reconhecida, admitida, trabalhada. Sem esse exercício, não será possível quebrar este ciclo de desconfiança e tudo será percebido como uma farsa.
O episódio da alteração da lei de financiamento é por isso bem mais profundo e sistémico do que parece, e é por isso que o menciono no primeiro artigo do ano. Vivemos um tempo em que os partidos são percecionados como uma vil realidade paralela e isso não pode deixar de nos preocupar.
Essa circunstância é perigosa para a democracia, terreno fértil para os populistas, que começam sempre por se anunciar contra os partidos e aquilo que de mau eles representam. É ver os casos de Trump ou Le Pen ou de Farage, e mesmo dos discursos nacionalistas, antieuropeus, independentistas. Todos têm em comum a luta contra o sistema político, partidário, contra os vícios corruptores que o sistema representa.
Mas essa circunstância pode ser uma oportunidade de revitalização do sistema partidário ou dos próprios partidos, sem os quais não há democracia representativa, por mais que os populistas plebiscitários e “assembleários” (palavra nova, por eles criada) pretendam o contrário.
A emergência do Ciudadanos, em Espanha, tem muito que ver com a dinâmica e abertura do partido de Rivera e Arrimadas, que não só souberam aproveitar os escândalos de corrupção do PP como conseguiram criar uma forma mais direta, simples, humilde, de se relacionarem com os eleitores. Macron soube também aproveitar a desconfiança dos franceses, e em vez de se entregar ao populismo fez exatamente o contrário, afirmando um discurso pela positiva, defendendo o sistema, mas trazendo a componente de arejamento que muitos esperam.
Mas há, nos partidos tradicionais, bons exemplos de líderes que compreenderam a mensagem e inauguraram novas formas de relacionamento e maior transparência. O caso de Cristina Cifuentes, Presidente da Comunidade Autónoma de Madrid eleita pelo PP é, quanto a mim, paradigmático, até na forma como lidou com a corrupção no seu próprio partido, com humildade e determinação, constituindo-se assistente em processos, chegando mesmo a denunciar alguns casos que envolviam dirigentes seus correligionários.
Mas esta urgência, a de responder à desconfiança das pessoas, não se fica apenas em matéria de financiamento (episódio que agravou essa desconfiança, e mais agravará se os partidos que aprovaram as alterações não tiverem a humildade de perceber o erro e a inteligência de sair dele: militância, decisões partidárias, sentidos de voto, tudo isso tem de ser visto a uma nova luz, com abertura e transparência, com comunicação mais eficaz e direta, envolvendo as pessoas, esclarecendo-as, admitindo erros, revendo decisões.
Empresas, negócios, profissionais, mudaram a forma de se dirigir às pessoas e, consequentemente, sofreram alterações organizacionais e institucionais profundas para não perderem clientes num mundo global e transparente. Chegou a vez dos partidos, se quiserem subsistir.
(Crónica publicada na VISÃO 1296 de 4 de janeiro)