Mesmo que assistissemos ao enésimo concerto dos Xutos & Pontapés, ele parecia sempre o primeiro no sorriso do Zé Pedro quando se aproximava da frente do palco e fazia soar, mais alto, a sua guitarra. Experimentei mais do que uma vez ver um concerto dos Xutos concentrado nas expressões do Zé Pedro. E o que elas passavam era um gozo enorme por estar ali, o sentido de partilha num olhar que procurava outros olhares, o prazer quase infantil de estar a fazer o que mais gosta, Vida. Tudo isso se traduzia num sorriso quase permanente e contagiante.
Nenhuma banda de rock portuguesa atingiu o estrelato como os Xutos & Pontapés – o percurso clássico, mas raro, da garagem para os estádios. Mas, mesmo no fim dos maiores concertos, quem se cruzasse com o Zé Pedro teria direito àquele sorriso, a um abraço a um aperto de mão, e à sensação de que estava ali um amigo.
Percebi melhor de onde lhe vinha essa força quando o entrevistei, com tempo, em 2007, no momento em que a sua irmã Helena Reis publicou o livro biográfico sobre Zé Pedro, Não Sou o Único. “Ao longo da minha vida, não só artística como social, eu sempre tive a família. E no meu caso, ter a família sempre ali, permitia-me ir mais longe nos riscos que corri”, dizia. Para depois recordar como isso influenciou os primeiros tempos dos Xutos: “Nunca fomos uma banda do género ‘mata os teus pais, e o vizinho do lado!’, como algumas que apareciam. Sempre fomos muito positivos, aquilo era o nosso sonho. E o apoio familiar foi imprescindível, não só da minha mãe, como também do pai do Tim. Deu-nos calma, segurança.”
E quando fala de “riscos” está a falar de tudo o que associamos à vida do rock’n’roll. A forma desasombrada como falava de drogas, por exemplo, era rara e, ironicamente (ou talvez não…), podia fazer mais pela prevenção junto dos mais jovens do que muitas campanhas oficiais. “A droga tem uma coisa: ao princípio é sempre boa. Tu vais tomar e é bom, por isso é que as pessoas lá vão!”, dizia, nessa mesma entrevista, antes de recordar os momentos duros em que descreve a vida como “um abismo, e eu a correr ali ao lado”. E mais à frente: “Foi tudo bom, e aproveitei o máximo que pude. Rebentei-me, é certo, mas tive uma segunda oportunidade que não vou desperdiçar de certeza absoluta.”
Mais à frente, voltava à família como explicação: “Parecendo que não, ter uma boa relação familiar conta muito. As minhas irmãs, que fumaram os primeiros charros comigo, tomaram se calhar os primeiros ácidos comigo, isso deu-lhes uma segurança grande, fazerem essas experienciazinhas com o irmão… E estive sempre presente, nunca me afastei da família. Era ali que ganhava forças. Bastava-me estar com elas, muitas vezes nem eram precisas grandes conversas, bastava senti-las à volta para as coisas melhorarem na minha cabeça. E esse sentido de culpa, de que não as podia deixar ficar mal, elas que acreditaram tanto em mim, também me vinha muito à cabeça, em fases de, digamos assim, recuperação. Pensava, ‘eu tenho que fazer isto nem que seja para lhes mostrar que sou capaz, que podem mesmo acreditar em mim…'”.
“Não conheço ninguém que não goste do Zé Pedro”, disse o empresário Luís Montez, a quente, pouco depois da notícia (tão esperada como chocante) da morte do guitarrista. Eu também não. Os amigos de luto são, hoje, uma multidão.