José Carvalho (1952-1989), assassinado na noite de 28 de outubro de 1989, por um grupo de nazifascistas.
Conhecido por “Zé da Messa” – uma alusão à empresa metalúrgica em que trabalhara e a cuja comissão de trabalhadores pertencera – tinha 37 anos, era dirigente do PSR, residia na Venda Nova. Foi barbaramente assassinado à porta da sede daquele partido, na Rua da Palma, hoje sede do Bloco de Esquerda. Pacifista, foi fundador do movimento Tropa Não e responsável por iniciativas muito marcantes naquela época, como foram os concertos no Rock Rendez Vous e no Palmeiras.
Foi à entrada de um desses concertos que, enfrentando um grupo de “cabeças rapadas” que pretendiam assaltar a sede e boicotar o espetáculo, José Carvalho foi mortalmente anavalhado. O assassino foi preso no dia seguinte e, com mais sete arguidos, acusado e levado a tribunal. Dois dos réus são absolvidos, outros dois viram a pena suspensa e os restantes foram condenados a penas entre os cinco e os doze anos de prisão. A pena mais pesada foi para o assassino de José Carvalho que, mais tarde, viria a fugir da cadeia do Linhó. Esteve quatro anos fugido e, após ter negociado a sua entrega, foi-lhe reduzida a pena e concedida a liberdade condicional.
Alcindo Monteiro (1967-1995), assassinado na noite de 10 de junho de 1995, por um grupo de “cabeças rapadas” de extrema-direita.
Jovem cabo-verdiano, de 27 anos, morador na Praceta Ribeiro Sanches, ao Barreiro, onde vivia com os pais e os irmãos. Trabalhava numa oficina de automóveis. Foi brutalmente espancado e abandonado inconsciente na Rua Garrett, em frente à montra da loja Versace. Transportado para o hospital de São José, entrou em estado de coma e acabou por não resistir à gravidade dos ferimentos (“múltiplas hemorragias internas, fratura do crânio com lesões traumáticas do encéfalo e tronco cerebral, extenso edema cerebral”). Morreu no dia 12 pelas 10h30.
Na madrugada em que ocorreu a agressão, a PSP deteve sete rapazes e duas raparigas. Mais tarde, dez outros indivíduos foram presos e todos vieram a ser acusados do homicídio de Alcindo Monteiro, à exceção das raparigas. Em tribunal, as condenações somaram duzentos e um anos e três meses de prisão, as penas variaram entre os dois anos e oito meses e os dezoito anos. A família pediu uma indemnização de 90 mil contos, mas o tribunal decidiu atribuir apenas 18 mil contos, valor que nunca foi pago.
“Ser-se skin, nacionalista, racista, não é crime perante a diretiva constitucional da liberdade de consciência, de opinião, de expressão, de pensamento e de organização”, lê-se no recurso interposto por um dos assassinos de Alcindo Monteiro junto do Tribunal da Relação. Por outras palavras, mas no mesmo sentido, tenho ouvido ou lido, por estes dias, vários jornalistas, comentadores e políticos, surpreendentemente situados tanto à esquerda como à direita, a propósito da suspensão e adiamento de uma conferência na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa, promovida por um grupo de extrema-direita – racista, nacionalista e fascista – com o apoio do PNR e de uns tantos “cabeças rapadas”, tudo gente da mesma “família”.
Leio, ouço e pasmo com o que escrevem ou dizem: a superioridade da democracia exprime-se na tolerância de permitir aos fascistas a liberdade que eles recusam aos outros ou, mais claro ainda, é com aqueles de que discordamos que mais devemos respeitar a liberdade. Mas, pergunto, a práxis democrática é apenas uma questão de ser mais ou menos tolerante, o que nos opõe, afasta e distingue dos fascistas não é muito mais que uma simples discordância?
Estou francamente surpreendido e, confesso, nada descansado. Não imagino que o paradigma da democracia, o must democrático, seja deixar os fascistas fazerem a única coisa que os mobiliza e sabem fazer: atacar a democracia e os democratas, na esperança de acabarem com ela e com eles. A democracia não baixa a guarda, protege-se, defende-se. Sim, com inteligência política, sem violar princípios e regras democráticas, claro, mas sem equívocos nem ambiguidades. Combater os fascistas, as suas ideias, as suas organizações, as suas ações, a sua violência, não é um concurso de boas maneiras.
José Carvalho e Alcindo Monteiro, lembram-se?
(Artigo publicado na VISÃO 1255, de 23 de março de 2017)