Há quatros anos, um homem franzino de óculos de massa abraçava a bandeira dos Estados Unidos quase como se aquele fato de estrelas e riscas escondesse um recém-nascido. Nessa foto de capa, uma das melhores de sempre da revista “Wired”, o exilado Edward Snowden tentava mostrar aos seus compatriotas que tinha sido o seu amor pela “Terra da Liberdade” o que o tinha imbuído a revelar a forma como a Agência de Segurança Nacional norte-americana pisava a privacidade dos cidadãos daquele país (e de todos os outros que fossem de interesse… ou não).
A entrevista feita pela Wired em Moscovo (foi na Rússia que Snowden encontrou abrigo e onde ainda vive) está disponível na íntegra no site da revista. Ao contrário do que poderíamos, todos, pensar, a situação de Snowden não se alterou muitos nos últimos quatro anos. A questão jurídica continua presa num emaranhado de questões com os advogados de Snowden a pressionar a administração Obama para o decreto de um perdão presidencial.
No entanto, nem Hillary Clinton ou Donald Trump têm grande simpatia por Snowden. A candidata do partido democrata quer ver o ex-funcionário da NSA a ser julgado nos EUA e Donald Trump, no seu jeito imbecil, clama a pena de morte para Snowden.
Enquanto a Lei e os homens que a fazem decidem o que fazer com Snowden, ele vai ganhando relevância mundial a partir da Rússia. Participa em conferências, dá entrevistas e fá-lo, até, de forma presencial. Aos comandos de um robô telecomandado de dentro da antiga cortina de ferro, ele consegue mover-se dentro dos Estados Unidos e, com um tablet a mostrar-lhe a face em tempo real, Snowden até consegue a empatia de quem tem um encontro imediato com o dispositivo.
A tecnologia funciona quase como um acordo de Schengen e foi assim que Snowden marcou presença na Comic-Con International – uma feira onde se mistura banda desenhada, com jogos, cinema, música…
O happening foi para promover “Snowden”, o filme escrito e realizado por Oliver Stone onde Snowden aparece por breves minutos – no resto do tempo é ao ator Joseph Gordon-Levitt que cabe o protagonismo. O filme chega em setembro e é uma breve biografia de Edward Snowden que esmiúça os momentos antes e pós a revelação dos documentos.
Snowden não é uma estrela de Hollywood, mas fez sucesso na Comic-Con. Como já tinha feito, quando o governo norte-americano, criando uma grande controvérsia sobre o direito à privacidade, forçou a Apple a dar acesso ao iPhone de um terrorista. Na altura, a CNN organizou um debate sobre encriptação com a participação de Snowden
Sim, Snowden está exilado na Rússia, mas “entra” nos Estados Unidos com muita regularidade. Tanta que a semana passada, na quinta-feira, apresentou um novo dispositivo que vai fazer com que os utilizadores saibam se os seus smartphones estão a ser espiados.
O dispositivo que se assemelha a uma capa para iPhone tem um pequeno ecrã que revela uma mensagem sempre que o telefone está a emitir transmissões de rádio. Estes sinais revelam muita coisa. É assim que é possível saber, por exemplo, onde está alguém pela localização do telefone ou dar uma ordem remota para que o microfone seja ligado e dê acesso às conversas que estão a decorrer perto do terminal.
Quando a “Wired” entrevistou Snowden na Rússia, o ex-espião pediu aos presentes para retirarem as baterias dos telefones. Noutra altura, com diferentes jornalistas, pediu-lhes para colocarem os telefones no congelador do frigorífico. Paranóia? Longe disso. Se há alguém que sabe o que é possível fazer remotamente a um smartphone é Snowden.
Sobre o protótipo mostrado a semana passada num evento realizado nos MIT Labs, Snowden, por videoconferência, realçou a importância de um dispositivo deste tipo para ajudar, por exemplo, os jornalistas que estão em zonas de conflito. Para este projeto, o ex-funcionário da NSA, contou com a ajuda do hacker Andrew “Bunnie” Huang – que está neste momento a processar os Estados Unidos pelos impedimentos que existem à retro engenharia de dispositivos adquiridos legalmente.
Os dois, desenvolveram esta capa protetora e já terão falado com vários fabricantes chineses para a produção em larga escala deste acessório. Ou seja, a tecnologia poderá estar em breve disponível aos fabricantes para que a integrem nos telefones.
Snowden pode ter sido o homem mais procurado dos Estados Unidos. Mas isso foi há muito tempo. As eleições presidenciais naquele país, a violência que assola o mundo com o ISIS, a Crimeia, a Síria… a Turquia. A violência tirou Edward Snowden da agenda política norte-americana.
Isso deu-lhe espaço para participar em conferências, dar entrevistas, fazer uma perninha no cinema e, até, tornar-se empresário. Voltará um dia aos Estados Unidos? É provável. Improvável é que escape ao julgamento e a uma pena de prisão. O mundo pode perdoar a Snowden, mas a NSA nunca o fará.