23 de junho, 6 de julho, 8 de julho: duas semanas negras para a União Europeia, o descalabro é indisfarçável. E em todos os planos: económico, político, institucional e até moral. A elite também não escapa, a sua seriedade, honestidade e credibilidade estão atingidas.
Recordemos. A 23 de junho, o Brexit: o Reino Unido vota em referendo pela saída da União Europeia, a segunda economia mais forte e o terceiro país mais populoso. A 6 de julho, o relatório Chilcot critica duramente Tony Blair pela invasão do Iraque e pela grande mentira das armas de destruição massiva, acusação que atinge os outros dois líderes europeus presentes na cimeira dos Açores: Aznar e Durão Barroso. Dois dias depois, a 8 de julho, a Goldman Sachs anuncia que, um desses mentirosos, Durão Barroso, será o seu próximo presidente, motivando uma onda de protestos, contra esta indecorosa manifestação de promiscuidade entre a política e a alta finança, apesar de Durão Barroso estar muito longe de ser virgem neste pecado.
Julgo ser difícil encontrar uma tão perfeita conjugação de desgraças para a União Europeia. Pode invocar-se que o Brexit foi pelas piores razões, que sobre o Iraque já tudo era conhecido e que Durão Barroso não fez nem mais nem menos do que muitos outros. Sim, pode dizer-se tudo isso, mas a atitude, a reação, o discurso, até a cara dos dirigentes europeus, ilustra bem a rampa deslizante por onde caminha este projeto europeu.
As consequências da saída do Reino Unido devem ser na atualidade dos mais discutidos temas. São certamente muitas mas há uma que tira o sono à elite europeia, uma consequência muito simples mas fatal: se o Reino Unido decidiu sair da União Europeia, qualquer outro país pode sair.
Alerta! Numa União construída sem consulta aos cidadãos e que sempre que vai a votos perde, numa União cujo único órgão eleito não mobiliza mais do que 40% dos europeus, referendos que possam seguir o exemplo do Reino Unido são um verdadeiro pesadelo, são o pânico para as forças que “assaltaram” o poder na Europa.
Só assim consigo explicar o coro que se levantou contra a possibilidade de um referendo em Portugal, no caso das ameaças de sanções se concretizarem o que, agora já sabemos vai mesmo acontecer.
As sanções não são um pequeno episódio, uma pequena contrariedade. São a expressão do abuso e do autoritarismo com que a Comissão Europeia esmaga a nossa soberania, como se lhe tivesse sido atribuída a responsabilidade de decidir e conduzir a nossa política e a dos restantes estados que a compõem. Não há Estados Unidos da Europa…
As sanções são uma chantagem sobre Portugal, sobre a política do Governo e do próprio Parlamento. As sanções pressionam o regresso da austeridade – subir impostos, cortar salários, reduzir pensões, eliminar direitos sociais, fechar serviços públicos – já este ano ou no próximo orçamento de estado.
O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schauble, o mesmo que nos ameaçou com um segundo resgate, nem disfarça: “As sanções não têm como objetivo castigar mas sim incentivar a atuar”, sim, claro, incentivar medidas adicionais, o plano B.
PSD e CDS não querem ouvir falar noutra coisa. No dia em que houver medidas adicionais ou um plano B vão a Belém pedir cabeça do governo. Esperam ansiosamente por esse dia, a comissão europeia faz o seu jogo, Merkel e companhia não suportam a ideia de um Governo comprometido com uma maioria parlamentar de esquerda. Querem forçar Portugal como dobraram a Grécia, apenas com mais discrição, menos alarido. A comissão europeia faz oposição ao Governo português em nome do PSD e CDS, tal como PSD e CDS governaram em seu nome durante os anos da troika. Favores com favores se pagam, é assim a direita, cá dentro e lá fora.
Sim, um referendo que permita ouvir os cidadãos sobre o que pensam de uma União Europeia que atua contra o governo legítimo do seu país e toma partido pela oposição, uma União Europeia cujos tratados permitem todos estes desmandos, abusos e prepotências, uma União Europeia que não é solução mas sim o problema.
Sim, um referendo, finalmente, tantas vezes prometido mas nunca realizado. Mas não um referendo à Marcelo, em que a pergunta é a que o presidente quer e a resposta a que pretende, enfim, uma consulta de resultado garantido…
Artigo publicado na edição impressa da VISÃO de dia 21 de julho