A reboque da exoneração de Ana Jorge ouviram-se uns minutos de televisão e leram-se uns artigos sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Falou-se do negócio desastroso da compra do Hospital da Cruz Vermelha, da esdrúxula velha possibilidade de entrar no capital do Montepio Geral, da febre da raspadinha, do desastre da internacionalização e, claro, dos problemas financeiros da instituição. Ainda tivemos umas audiências na Assembleia da República, em que essencialmente se lavou roupa suja.O programa não seguirá dentro de momentos. Daqui a uns dias virão outro provedor e outra mesa, mais uns boys and girls, e tudo ficará na mesma. Pode ser que apareça outro fenómeno como a raspadinha ou um euromilhões que aumente circunstancialmente as receitas da SCML, mas também poderemos vir a assistir ao afundar dos jogos estranhamente chamados “sociais”, e lá se vai a mui pia e santa obra da Santa Casa.
Comecemos pelo óbvio: os jogos que a SCML explora são tão sociais como qualquer jogo de sorte e azar que o Estado autorize. Todos geram receitas para o Estado, seja em impostos comuns seja em impostos criados para essa atividade. Da receita dos jogos, 77% não fica no Largo da Misericórdia, indo para vários departamentos do Estado e dos governos regionais. Os restantes 23% ficam na SCML, representando mais de 80% das receitas da instituição. Os problemas começam logo aí. A que propósito quase um quarto da receita, gerada ao nível nacional, tem obrigatoriamente de ficar em Lisboa? É que esse dinheiro é, claro, utilizado pela Misericórdia da cidade na própria cidade.