Não sei o que me revolve mais as entranhas: se as declarações muito arrependidas e muito pias e santas da hierarquia da Igreja Católica, sabendo nós que esta protegeu ativamente abusadores e, no fundo, promoveu crimes hediondos, se os elogios de muitos, nomeadamente de altas figuras do Estado, por a mesma Igreja ter decidido levar a cabo a investigação sobre abusos sexuais.
Começo pelos elogios. Soam a assobio para o lado, a um “vamos ver se ninguém percebe que fomos cúmplices, durante gerações e gerações, destes e de outros crimes praticados pela Igreja”. É verdade que alguns abusos sexuais a menores não tinham a sanção social que, nas últimas décadas, passaram a ter. Mas não só o Estado não quis olhar para o que se passava na Igreja, quando já eram crimes muito penalizados socialmente (e alguns sempre o foram e as autoridades olhavam para o lado), como também foi o mesmo Estado que optou por deixar a Igreja viver sob as próprias regras, desprezando o poder político (democrático ou não).