É Natal e as ruas estão cheias. Passei por duas senhoras a carregar um pinheiro. Ia envolto numa rede, e transportavam-no como se o tivessem acabado de assassinar. Lembro-me com afecto de que nos primeiros dias de Janeiro, Lisboa tinha um número alarmante de pinheiros-de-natal suicidários, que se atiravam das janelas das salas-de-estar. Lembro-me também com afecto das férias de Natal em que descobri que substituir o “is“ por um “uz” tornava Lisboa mais minha. Ter saudades de Portugal não é ter saudades do Portugal, mas dos seus recantos, quanto mais recatados, melhor. Nesse Natal em especial, tivemos uma praia incongruente mas genial. Que coisa mais tonta, isto da saudade. Aqui nesta pequena cidade do Grande Norte não há praia, não há neve, mas as montanhas que nos rodeiam estão todas pintadas de branco.
Na Noruega o Natal é celebrado de forma muito mais profusa e difusa que entre nós. Começa-se cedo em Dezembro, com jantares entre amigos, jantares de empresa, jantares de família, em que se vão treinando enfartanços e enfrascanços. Os noruegueses não engordam como nós no dia 24 e 25 porque já chegam lá engordados das festarolas que acumularam desde o dia 1. Só no dia 2 de Janeiro, altura em que a coisa acalma o suficiente para entrar finalmente em ressaca, é que voltam a preocupar-se com a forma física. Estas festividades de Dezembro têm a designação inócua de Julebord (à letra, Mesa de Natal) e o regime de funcionamento é mais profano que sagrado. Ao terceiro copo, a inocuidade dá tipicamente lugar a uma vivaz iniquidade. Ninguém se fica pelo terceiro copo. Dezembro é um mês alegre na Noruega. É a altura das conversas mais interessantes do ano. Normalmente recatados nas suas expressões de sentimentos, os noruegueses de Dezembro abrem as suas almas, proclamam aos quatro ventos as suas ideias mais íntimas. Os ares enchem-se de “gosto-de-ti-porras” – infelizmente, ou não, no dia 3 de Janeiro, no auge da ressaca, arrumam tudo para o Natal do ano seguinte.
Estou no meu poiso favorito em Ålesund – o Molo, onde no final da semana vou lavar as feridas com cerveja artesanal; o Jorge, o André e o Diogo são três portugueses que deram aqui à costa, e criaram no Molo uma ilha de bonomia e portugalidade no seu melhor. São os três bem acima da média de simpatia portuguesa, o que faz com que aqui até brilhem no escudo. Sem eles andaria ainda mais maluco do que já ando. Estamos a comentar as notícias que nos chegam de Portugal: “Eh pá, isto foi bom foi para os chineses, que venderam os coletes todos…”. Brandos, como de costume.