Ser português “lá fora” é ser ainda mais português. Ocorreu-me isto há dias, ao regressar de um concerto da Carminho, em Bruxelas. Ali estavam dezenas, talvez centenas de portugueses, não apenas a disfrutar de um bom momento musical, mas em busca de um lampejo de Portugal, de um fugaz retorno ao seu país, de uma exaltação coletiva da sua identidade nacional. E sem dúvida que tiveram, tivemos todos aquilo que procurávamos. O fado tem alma. Mas, mais do que isso, o fado tem a nossa alma, tem algo que é só nosso, o travo da portugalidade. Que se torna ainda mais nítido visto de longe.
Não quero aqui cair em clichés, mas a verdade é que a distância alimenta o sentimento de pertença. Não ligo nada a futebol e nunca tinha propriamente vibrado com um campeonato da Europa. Mas este ano foi diferente! Quanto ao fado, tenho uns quantos discos e, embora não seja assíduo, já tinha assistido a alguns espetáculos. Mas este foi decididamente diferente!
No dedilhar da guitarra portuguesa, ouvi um choro que me era familiar. Na entrega do guitarrista, Luís Guerreiro, decifrei uma linguagem não falada mas que entendia na perfeição. Na voz de Carminho, senti o desgosto da partida, vivi a emoção do reencontro, rezei à Senhora da Nazaré, tive pena(s), apaixonei-me e chorei de saudade.
Este turbilhão de sensações só foi possível porque Carminho, para além de exímia intérprete, é absolutamente genuína na forma como apresenta a sua arte. E tem, para além do mais, uma desconcertante doçura. O que permitiu que, apesar do tom grave e triste de muitos dos fados apresentados, a sala mantivesse um ambiente leve, acolhedor, ternurento até.
No encore, a fadista dispensou o microfone e os guitarristas desligaram todos os mecanismos de amplificação sonora. Libertos da parafernália eletrónica, foi tudo ainda mais natural. De repente, sentimo-nos transportados para uma casa de fado. Naquele momento estávamos todos em Alfama ou na Mouraria.
Tudo isto me tocou de uma forma que, ironicamente, não teria sucedido em Lisboa. Sou emigrante há 10 meses, mas acho que só o percebi realmente naquela plateia, ao ouvir a Carminho cantar o fado.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 11
Nas notícias por aqui: o Parlamento da Valónia (região francófona da Bélgica) opôs-se ao CETA – um tratado comercial entre a União Europeia e o Canadá –, o que poderá impedir a entrada em vigor deste importante acordo de livre comércio em todo o espaço europeu.
Sabia que por cá: há um novo regulamento geral de polícia, aplicável em 5 communes (espécie de freguesias) da zona ocidental de Bruxelas – Jette, Berchem, Molenbeek, Koekelberg e Ganshoren – que pune os insultos efetuados através do Facebook, Twitter e outras redes sociais. Pergunto-me: se estamos a falar de insultos em rede, no espaço virtual, fará sentido puni-los unicamente nalgumas communes?; numa era de smartphones, tablets e outros dispositivos móveis, bastará atravessar a cidade para evitar a ilicitude?; e o que é que conta: a commune onde se postou o insulto ou onde o mesmo foi recebido/lido?
Um número surpreendente: 3, são as estátuas a fazer xixi que existem em Bruxelas. Não, não é só o famoso menino (Manneken Pis), há também uma menina (Jeanneke Pis) e até um cão (Het Zinneke) a aliviarem-se em plena via pública.