Quando aqui cheguei cruzei-me com alguns perdidos em Bali. Casos como uns que também encontrei na Bahia: pessoas que vieram passar umas férias e que foram ficando. Venderam o que tinham, começaram qualquer coisa, fizeram sócios, apaixonaram-se por qualquer coisa ou por alguém. Deixaram-se estar… como se isso fosse mau.
E eu pensei: isto não me vai acontecer!! Não a mim, eu sei muito bem o que quero.
Em Trancoso, no Brasil, cheguei a andar a ver casas, mas aqui estava muito certa de que só ficaria dois meses. Esta tranquilidade não se percebe à primeira, como na Bahia, onde inicialmente tudo me pareceu tão fácil. Mas deixa marcas mais profundas.
Até que uma casa me encontrou a mim. Fizémos obras, desesperámos porque um mês passou a quatro longos meses e todos os dias surgia uma nova complicação, até que um dia o cenário sujo de cimento deu vida a um lindo jardim.
E agora, porque escrevo sobre a nossa vida, as pessoas escrevem-me para que as aconselhe. Como corre? Em que escolas colocar os filhos? Como se tratam de vistos? Afinal toda a gente se quer perder no paraíso que é Bali e ainda aqui não chegaram. Estão na fase em que o sonho passa para o papel onde se materializam os planos.
Bali é um destino incrível mas não é o melhor lugar do mundo para procurar trabalho, além de que não é fácil arranjar visto de trabalho. Na sala onde se faz a renovação dos vistos, passam em contínuo filmes de estrangeiros em profissões liberais a serem presos enquanto trabalham. A encenação é exagerada e dramática, mas a mensagem é esta: mesmo a tirar fotografias na praia se lhes parecer profissional a polícia vai aparecer.
Querem ser fotógrafos, designers, ou criativos? Arranjem um agente, ele trata do resto. Os chefs são bem vindos e os gerentes de hotéis também. Fora isso é bom que tenham algum dinheiro para investir em turismo ou num negócio próprio. A mão de obra é muito barata para contratarem serviços estrangeiros.O que Bali não tem, inventa ou traz de Java.
Escolas para os filhos, há e muito boas, mas são todas privadas e a preços ligeiramente superiores aos colégios de topo em Portugal. Além de que há a fabulosa e muito bem cotada Green Schooll, em Ubud. Do que tenho ouvido falar, abre portas para outras escolas internacionais, não tanto pelos critérios tradicionais mas pela originalidade e aura que a escola conquistou.
Se vêm com bom espírito, é fácil encontrar amigos. E bons, porque todos os que aqui chegam estão longe da família, pelo que nos tornamos muito unidos.
Os jornais são muito sensacionalistas e, apesar de viver num bairro supostamente seguro, houve noites em que não conseguíamos dormir, com medo do que lemos, do que nos poderia acontecer, de assaltos, do escuro, de tudo. Depois lembrei-me de que, quando passo os olhos pelo Correio da Manhã, fico com a sensação de que Portugal é o país mais perigoso do mundo, e isso está longe de ser uma realidade… Além de que Bali é uma ilha onde estão uns seis milhões de pessoas. Acontece um crime e todos falamos disso, como se fosse uma aldeia. Mas esta aldeia tem muitos milhões para que um drama dite o bem estar que aqui sentimos.
Isto é confuso, temos acidentes, reclamamos, tentamos aprender, há um sentimento quase primitivo de sobrevivência entre os Bule (estrangeiros). Nenhum de nós leu as leis, mas falamos delas porque alguém nos contou uma história. Haverá algum exagero, mas há coisas que sabemos serem sagradas: os avisos que se lêem nos aeroportos da Indonésia são para serem levados muito a sério.
Quando aqui chegámos marcámos logo aulas de Bahasa (palavra para língua em vários países asiáticos), fomos a mercados com os apontamentos e treinámos, mas tornámo-nos preguiçosas quando percebemos que, com uma linguagem muito teatral que mete gestos, Google tradutor, Inglês e Bahasa misturados, nos conseguimos entender. Passaram muitos meses e sei menos do que sabia no primeiro mês. Não é justo, nem nos fica bem. Vamos tentar outra vez… as próximas aulas estão marcadas.
O trânsito para a toda a hora para que os Balineses alimentem os deuses em cerimónias organizadas localmente pelos banjares, o poder local de cada bairro. E assim, os dias planeados para renderem não sei quantas tarefas, rendem menos de metade, mas está tudo bem porque viemos viver um tempo de felicidade, numa terra emprestada. Ou alugada. Como estrangeiros não podemos comprar casas nem terrenos, mas podemos assumir longos compromissos, que foi o que fiz.
Não me conto perder por aqui, mas não quero perder o contacto com esta terra que nos está a dar tanto.