“Queria de ti um país de bondade e de bruma
Queria de ti o mar de uma rosa de espuma” – Mário de Cesariny
Queria de ti um país de bondade para os mais novos.
Um país onde o número dos que nascem fosse maior do que diz quantos são os que morrem (é inverso desde 2007).
Um país onde dois tivessem mais do que um… filho.
Um país (re)feito da palavra esperança e de futuro.
Um país em que, por cada ano de escola que em setembro começa, as palavras ditas fossem de força e de paixão. E de luta, feita de gosto de ensinar e (muito) prazer de aprender. Textos belos que lembrassem que, de alguma maneira, vai sempre valer a pena. E não lhes ganhasse a esses ou a essas (textos, palavras, professores, alunos, pessoas…) o desânimo, a apatia, a indiferença de um qualquer tempo incerto.
Que nesse país não se ouvisse tanto um “logo se vê”, “não sabemos”, “pouco importa”. Porque tudo, afinal, no mundo dos mais pequenos, importa. E tem de ser feito de mar, da sua imensidade que nos torna pequenos, é certo, mas plenos de vontade de prosseguir e de descobrir. Num caminho de rosas a que não faltam os espinhos (está gasta a imagem, mas vale), pois não se conhece destino algum a que se chegue por caminho plano, sem névoa ou espuma.
Queria de ti um país em que se ouvissem poetas e humanistas, e não apenas cientistas. E em que aparecessem mais pessoas da arte – pois como diz a pintura de Bob & Roberta Smith, “All Schools Should Be Art Schools” – e não só gente a pensar no dinheiro e nas contas que, realmente, também são precisas, pois não se vive do nada, mas que o nada fosse mais do que a felicidade interna bruta medida por uma curva da inflação, a taxa de desemprego ou o temor de escolher e seguir uma paixão para quando se for grande:
“Filho/a, artes é desemprego, humanidades não dá para nada”, ouço ano após ano ao ritmo em que se desperdiçam talentos trocados por coisas ditas úteis para a vida.
Um país de bondade que não é sinónimo de paternalismo, fáceis palmadas nas costas ou encostos a sombras rentáveis, mas que é pleno de grandeza e chance ou oportunidade, em que todos que começam podem realmente ser iguais em direitos: em atos, não em retórica, algo que é muito mais do que apenas um papel manda dizer. Queria.
De ti, um país de bondade que reconhece que os mais novos são bons, melhores, quase sempre muito melhores do que nós alguma vez fomos, e merecem estima e reconhecimento e, de novo, que alguém os agarre e eles não fujam para nunca mais, nunca… voltarem. Porquê? Nem bruma nem espuma, só escuridão e precipício. Não queria mais esse país!
Escrevo diante do confronto de muitos jovens que conheço. E, só este ano, tive um filho que concorreu e entrou em duas universidades na Holanda; um afilhado que volta para Delft para completar o mestrado após uma licenciatura no Técnico; uma sobrinha que parte agora, em setembro, para seis meses de Erasmus em Roma, em Arquitetura, e a filha de uma prima, na mesma situação, fá-lo para o Norte de França. E o rapaz, jovem adulto, que de certa maneira também é família, juntou-se agora mesmo à irmã que já está em Londres, há mais de dois anos.
Escrevo recordando as consultas à distância que no letivo passado mantive com um rapaz que foi para Estocolmo (Gestão), e outro que está já agora na Coreia do Sul (Engenharia), e uma rapariga, já crescida, que esteve na Alemanha (Finanças), voltou e agora o seu maior desejo é regressar para terras germânicas. Ou mais outros (e haveria outros, tantos), como um que por décimas não entrou, há uns anos, em Medicina e escolheu Bioquímica e agora é cientista nos Estados Unidos da América.
Entrei para Medicina, Universidade Nova de Lisboa, com a ridícula média (para os dias de hoje) de 16,88 valores, a mais baixa desse ano letivo. Era 1983. Portugal era pobre, o FMI andara por aí, e ainda nem sequer tinha entrado para a então dita CEE. A televisão a cores existia há três anos. Economicamente éramos pobres, culturalmente éramos pobres. A minha banda, já então preferida, lançava o épico disco Power, Corruption and Lies. Mudámos?
Queria de ti um país… Desculpem, ainda quero!
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.