O carisma, a experiência e a empatia são características indispensáveis para qualquer candidato que aspire a ganhar uma eleição popular. Mas nem todos as possuem em simultâneo nem, especialmente, na dose e no peso certos para o tipo de eleitorado que procuram conquistar. Nas grandes eleições nacionais, com o recurso a profissionais especializados em comunicação e propaganda, essas debilidades podem ser mais ou menos resolvidas ou, no mínimo, disfarçadas, com o recurso a técnicas para limar a imagem e o discurso do candidato. E isso é feito, tantas vezes, sem receio de ultrapassar os limites do pudor e muito menos da verdade: se o candidato não é bom orador, tratam de o resguardar de intervenções públicas não planeadas; se lhe falta a experiência necessária para o cargo, inventam algo relacionado, que o mostre igualmente preparado para a função; se tem uma natural falta de simpatia, procuram mostrá-lo mais humano, nem que seja encenando situações que deem a ilusão de serem íntimas e espontâneas.
Nas eleições locais, no entanto, as coisas passam-se de maneira diferente. Na hora de votar, os eleitores gostam de avaliar a experiência de quem esteve em funções, valorizam o trabalho quotidiano, especialmente o das chamadas “pequenas obras” e, geralmente, costumam beneficiar quem cultiva uma maior proximidade com a população.
É isso que explica que, salvo algumas exceções, seja sempre muito difícil a um candidato “vindo de fora” conseguir derrotar um autarca já estabelecido no cargo. A não ser que, como se viu mais uma vez, se apresente com currículo positivo noutro local ou com uma passagem anterior, na mesma autarquia, que deixou saudades entre os eleitores.
Para ter expressão eleitoral no poder local, não basta a um partido escolher candidatos com notoriedade nacional ou insistir nas técnicas narrativas usadas nas eleições nacionais. É preciso muito mais, a começar por uma efetiva implantação no terreno, com muito trabalho desenvolvido, tantas vezes fora dos holofotes mediáticos, mas que é apreciado pelas populações. Mais do que caras em cartazes, nas eleições locais os eleitores olham para o verdadeiro coração dos candidatos. E, com a sabedoria acumulada em meio século de democracia, demonstraram que sabem distinguir, em grande parte dos casos, quem é o candidato que pode ser visto como “filho da terra” e aquele que apenas procura um trampolim para outros patamares – porventura longe dessa mesma terra.
Os factos são evidentes: os partidos há mais tempo implantados no território nacional, com melhor organização, capacidade de atrair candidatos e com tradição no poder local continuam a ser os preferidos dos eleitores. Nas autárquicas, na hora da escolha, o voto é canalizado para quem se pensa que pode ser o melhor para resolver problemas e não para eleger quem grita mais alto ou quer ser apenas a voz do protesto. Por isso, apesar das várias previsões catastrofistas, estas eleições demonstraram que a morte do bipartidarismo era manifestamente exagerada e que, como sucede há 50 anos, PSD e PS continuam a ser os grandes partidos autárquicos do País, rodando entre os dois, desde sempre, a presidência da Associação Nacional de Municípios. Ao mesmo tempo, também demonstraram que, embora mais pequenos e em crise, tanto a CDU como o CDS mantêm uma tradição autárquica relevante – e que o Chega, apesar dos 60 deputados no Parlamento, não é do mesmo campeonato (ainda?…). E isto, para todos os efeitos, é uma prova de maturidade dos eleitores, numas eleições que tiveram a maior afluência às urnas das últimas duas décadas. Os resultados indicam que os portugueses quiseram votar mais em quem consideram que pode tapar-lhes o buraco na rua e não em quem se limita a dizer que o buraco é fruto da corrupção, do clientelismo ou até… dos imigrantes.
Agora, inicia-se uma nova fase. Com muitas autarquias sem maioria absoluta, num sistema em que as câmaras municipais são geridas, na prática, como um miniparlamento, as alianças que se encontrarem com vereadores da oposição, para viabilizar programas e medidas, serão reveladoras da estratégia que os dois principais partidos do bipartidarismo pretendem seguir. Mas, qualquer que seja a opção que tomarem, de algo podem ter a certeza: os eleitores, daqui a quatro anos, irão julgá-los pelo que fizeram. É isso o melhor da democracia – enquanto ela continuar a existir.