Ainda estão a ajustar-se as placas tectónicas depois do terramoto político que o País viveu nas últimas semanas. O jogo de cintura e a habilidade cénica dos dois atores do choque frontal ajudarão a que tudo, à primeira vista, volte ao seu devido lugar. Um Presidente a presidir e um primeiro-ministro a executar, convivendo institucionalmente como mandam as regras. Mas, debaixo da camada de cera de polir com que se revestem os dias seguintes a um embate desta natureza, há coisas que são inequívocas: nada ficará como dantes entre São Bento e Belém. As relações entre o Presidente da República e o primeiro-ministro entraram numa nova fase – passaram da coabitação amigável para a coabitação (es)forçada e, porventura, conflitual.
Quem ganhou e quem perdeu é a pergunta que muitos colocam. E a resposta é simples: perderam todos, incluindo os portugueses, à exceção dos que capitalizam com o descrédito do sistema. Não saiu bem ao Presidente da República a sua manobra de exercício público de magistratura de influência. Esta, quando é feita às claras, corre o risco de virar o feitiço contra o feiticeiro: não influenciando, desinsufla quem a tentou. Marcelo Rebelo de Sousa andava por fora de pé, a exigir publicamente mudanças no executivo, para lá da sua esfera de competências. Apertado entre o desfiladeiro e abdicar de espaço de manobra, António Costa prefere sempre atirar-se de cabeça e contar com um paraquedas sobresselente que acredita que existe: foi assim com a contagem do tempo de serviço dos professores, foi assim com as exigências na aprovação do Orçamento do Estado que fizeram cair o Governo, foi assim agora. Arriscou tudo e aventurou-se. Ganhou liberdade, para gáudio da equipa, e até se salvou da dissolução no curto prazo, mas abdicou de livre vontade do precioso apoio presidencial. Pode bem ter conseguido aquilo que o assessor Hugo Mendes pôs pateticamente por escrito no email em que pediu a mudança de voo para ajustar à agenda presidencial: transformar “o principal aliado político” no “maior inimigo”.