Algo de muito preocupante se passa em Portugal quando o discurso dos principais líderes políticos cai, repetidamente, para o mesmo nível daquele que se encontra nas caixas de comentários do Facebook – exatamente com o mesmo grau de indignação e de estupefação e sem acrescentar qualquer informação adicional. Apesar de tudo, é normal que perante os vídeos que mostram o jantar, realizado à luz das velas e só por convite, pelo grupo de Founders da Web Summit, muitas pessoas se possam sentir indignadas por o Panteão Nacional, onde se pretende homenagear os heróis da Nação, ser utilizado para a realização de um banquete. E é normal porque grande parte dessas pessoas desconhece a organização e o interior daquele monumento instalado na Igreja de Santa Engrácia. E ainda é mais normal porque ficaram surpreendidas pelo acontecimento de que só tomaram conhecimento depois de verem os seus “amigos” da rede social partilharem os vídeos e imagens do repasto, geralmente já acompanhadas com a devida nota de reprovação e de indignação, fazendo crescer, dessa forma, um coro de protestos que, rapidamente, alastrou à comunicação social, utilizada apenas como caixa de ressonância. Tudo isso, por mais que nos custe admiti-lo, faz já parte da normalidade dos nossos dias.
Mas, sinceramente, o que já não pode ser considerado normal é ver que, no meio dessa onda viral de indignação, o Presidente da República, o primeiro-ministro, o ministro da Cultura e os dirigentes dos partidos com assento parlamentar apareçam a bradar os mesmos argumentos dos anónimos facebookianos. Pior ainda: a mostrarem exatamente o mesmo grau de surpresa dos utilizadores das redes sociais, como se só tivessem sido informados pelo Facebook que o Panteão Nacional tinha sido utilizado para a realização de um jantar – apesar de o mesmo vir referido, há muito, no programa oficial do Web Summit. Ou seja: como se desconhecessem, apesar das suas responsabilidades públicas, uma lei que regulamenta precisamente as condições e os preços do aluguer dos monumentos nacionais para a realização de “jantares e cocktails”, bem como a história recente do edifício que demorou quase quatro séculos a ser construído. Antes deste jantar, o mesmo espaço já tinha sido utilizado cerca de uma dezena de vezes, nos últimos anos, para a mesma função, além de ter sido usado como cenário para diversos espetáculos, nomeadamente, de fado e de dança… sem que alguém tivesse questionado essas iniciativas.
Como foi possível, então, tanta estupefação e indignação por causa da utilização “comercial” de um monumento que, em média, tem pouco mais de 300 visitantes por dia (e os maiores picos devem ser, imagino, às terças e sábados, por causa da vizinha Feira da Ladra…)? Penso que a melhor resposta foi dada, embora noutro contexto, pelo neurocientista António Damásio em entrevista recente à VISÃO: “É como se as pessoas vivessem num silo, estamos a assistir a um ensimesmamento do indivíduo, que está muito confortável juntos dos seus amigos e dos seus seguidores. Apenas tem de lidar com os que concordam consigo.”
É exatamente assim que nascem e proliferam hoje as ondas de indignação que varrem as redes sociais e transbordam para outros domínios, em que todos procuram o conforto de estar de acordo com a maioria. É nesses momentos que, porventura, talvez seja bom recordar que os grandes avanços da Huma- nidade foram, todos, impulsionados por quem, em determinado momento, ousou contrariar as maiorias e o que é considerado aceitável. E o que se espera dos líderes, quaisquer que sejam, é que estejam informados e decidam com base em informação clara e objetiva. Quando se começa a decidir apenas com base no que é viral, já percebemos que estamos só a abrir espaço para a manipulação e a preparar o terreno para as fake news. Não se indignem depois com as consequências disso.