Desde a invasão quase letal e quase irreversível das redes sociais e do virtual na nossa vida, cabeça e coração, que tenho andado a dizer ao mundo, sob a forma da palavra escrita, que tanta rapidez e facilidade vieram dar cabo de muita coisa. A comunicação virtual não tem compassos de espera naturais, nem toque, nem temperatura, nem perfume, é um lugar solitário no qual as pessoas se refugiaram, e, pior ainda, se habituaram a viver, apanhadas pela ratoeira da projeção, do sonho e do medo.
Desde 2012 que tenho vindo a assistir a este fenómeno e tenho escrito sobre ele com frequência, porque me faz muita confusão, e também porque a missão de um escritor é desenhar em palavras um retrato o mais fiel possível do seu tempo, uma espécie de espelho das almas, e não o faço por obrigação, faço-o com paixão, que ainda é e será sempre uma das forças que move o mundo. As redes sociais vieram corroer e enfraquecer os laços afetivos em geral, deram gás à fantasia e à infidelidade, substituíram a presença física pela conversa fácil, exaltaram egos e acentuaram comportamentos exacerbados a todos os níveis, prejudicando a sociedade em geral, cada individuo em particular e também a classe jornalística na qual também me incluo há mais de 30 anos. Nunca me entrou na cabeça porque é que duas pessoas podem passar dias ou noites a fio a teclar, em vez de se encontraram, quando vivem na mesma cidade. Ou que, podendo falar a viva voz, preferem debitar informação em mensagens escritas ou áudios gravados. O telefone foi inventado para as pessoas falarem e não para tirar e guardar fotografias, ver se amanhã de manhã chove, ler o horóscopo, ou vasculhar ao minuto a projeção de vida alheia no FB e no Instagram.
Com a chegada da pandemia que veio do Oriente, muitas pessoas perceberam finalmente o valor de um abraço. Contudo, foi necessário que se sentissem privadas da forma de afeto mais bela e pura para abrirem os olhos e o coração perante tal impossibilidade. E agora pergunto: e o que é feito de todos os abraços que podiam e deviam ter sido dados antes da Covid-19?
Durante os últimos cinco anos, por circunstâncias várias, passei bastante tempo na cidade do Rio de Janeiro. O Rio é uma paixão antiga, mas passou a ser a minha almofada afetiva quando choquei de frente com a inevitabilidade do ninho vazio. Ser pai e mãe deve ser a missão que mais enche o coração ao ser humano. Para os pais,os filhos nunca crescem, aquilo que cresce é o amor que sentimos por eles. E não vemos o tempo a passar, nunca estamos preparados para o momento em que os nossos pintainhos, feitos pássaros, abrem a asas e voam. Comecei a passar temporadas no Rio porque o meu grupo de amigas brasileiras era muito mais unido e coeso, talvez fruto de uma sociedade mais atrasada e machista do que nossa. Quanto mais atrasada uma sociedade é, mais perigosa se torna para as mulheres e mais fortes são os laços que criam entre elas, para proteção mútua. O que sentia no Rio de Janeiro é uma forte irmandade e um espírito de apoio mais afetuoso e disponível do que em Portugal, onde as pessoas estão sempre muito ocupadas, ou muito cansadas, ou sem paciência para nada, diferença que fui explicando às minhas amigas portuguesas, até conseguir criar no meu país uma rede de irmandade igualmente bela, segura e forte. Não se iludam, a família e os amigos são o que de mais importante podemos construir para o nosso futuro: os filhos são a nossa maior aventura, os irmãos, os maiores aliados e os amigos, a nossa almofada afetiva quando não existe uma cara-metade que escolheu ficar ao nosso lado e construir uma vida a dois. E também não se iludam aqueles que pensam que é melhor uma pessoa estar só, por ter nas mãos a chave da sua liberdade. Quem está só, por escolha própria ou porque foi abandonado ou trocado por outra pessoa, só escolherá o país da solidão se não tiver outro caminho a fazer. Uma mulher só é sempre um bocadinho triste, um bocadinho ansiosa, um bocadinho frágil, mesmo que aparente alegria, calma e força. Da mesma maneira que um homem só é sempre um bocadinho desarrumado, um bocadinho baralhado e um bocadinho desorientado. Não tem a ver com fraqueza, tem a ver com a natureza. Somos animais sociais e afetivos, a solidão nunca será o nosso habitat natural.
As redes sociais, onde muitas vezes se fazem bons amigos e se recuperam amizade antigas ou distantes, vieram para enfraquecer as relações amorosas. Os homens procuram companhia instantânea e sexo rápido e de borla, as mulheres procuram afeto e carinho, às vezes sob a forma de sexo. No fundo todos querem atenção e companhia, mas talvez não da mesma forma, com iguais doses nem pelos mesmos meios. As pessoas falam muito, mas fazem muito pouco pelas outras.
Com ou sem pandemia, o amor já era um bem escasso e o mimo, um luxo dos mais conscientes. O consumo de antidepressivos, que já tinha triplicado em Portugal entre 2000 e 2017, com uma dose diária que é o dobro dos países da OCDE, voltou a subir em 2018. Não sou psiquiatra nem psicóloga, mas diz-me o bom senso que a solidão implode as almas e que as relações fortuitas não só não são solução, como constituem uma parte grande do problema. Afinal, como podemos ser felizes se não construirmos uma vida afetiva sólida e segura? A segurança é um fator de felicidade, dentro e fora do coração. Eu ainda acredito que vamos a tempo de construir um mundo melhor e que o êxito dessa construção depende da nossa capacidade de amar e de dar, até porque o mimo não se vende, nem na farmácia.