Ando há anos a escrever sobre as diferenças entre os homens e as mulheres em relação ao amor e já tive muito mais certezas do que agora, o que será certamente um bom sinal, mas há uma que resiste, persiste e prevalece: a cabeça de uma mulher funciona como um open space e a de um homem como um contador indo-português. E logo eu, que sou apaixonada por palácios, castelos, residências de veraneio e paços de vilas portuguesas onde existe sempre um contador indo-português numa antecâmara, ao cimo de uma escadaria ou distraidamente exposto num corredor. O certo é que tal peça de mobiliário sempre me encantou, com ou sem embutidos, de pequeno, médio ou grande porte e só nunca comprei nenhum porque no fundo já tive alguns ao longo da vida em forma de gente, que muito me ensinaram sobre como funcionam as cabeças masculinas, não raro à custa de incontáveis noites de insónias com direito a ataques de choradeira compulsiva a ponto de ter de virar a almofada ao contrário.
Isto é o que acontece quando uma pessoa se apaixona e, levada pela asas do otimismo cego, convencida que se transformou num super-herói invencível – que no meu caso pode ser a Super-Mulher, a Mulher Elástico, a Fada Oriana ou a Pequena Sereia, mas nunca a Xena ou a Tomb Rider – acredita nos três maiores equívocos de uma relação amorosa. A saber: 1- Pensa que encontrou a alma gémea e que portanto a conhece como se fosse a sua própria alma, quando na verdade nem sequer sabe o nome dos irmãos ou em que escola do ensino básico frequentou; 2 – Pensa que a alma gémea também a conhece, resultado do equívoco anterior; 3- Pensa que o élan vai durar para sempre. E está tudo errado, porque demoramos anos a conhecer uma pessoa, uma pessoa demora anos a conhecer-nos e nada dura para sempre. Basta olhar para o céu estrelado e não esquecer que as luzes que os enfeitam podem ser de estrelas que já nem sequer existem, ou passar pela Praça de Espanha e ver um prédio a ser construído onde era o Restaurante A Gôndola. Eu adorava A Gôndola, fui muito feliz lá, mas um dia foi abaixo e sei que num futuro, próximo ou distante, vou passar por ali sem me lembrar que alguma vez existiu.
Voltando à questão inicial, este é mesmo um imenso abismo que existe entre a mente feminina e a masculina; nós sentimo-nos seguras quando conseguimos harmonizar a vida. Queremos harmonizar as amigas com o namorado ou marido, os nossos filhos com os enteados, o trabalho com a casa, o sexo com o amor, a sensação de aventura com uma noite em conchinha, porque, por uma razão química, fisiológica ou morfológica qualquer, somos felizes assim. É o cérebro em open-space. Juntar, reunir, dar continuidade, cuidar. Se a Florence Nightingale tivesse sido um homem, a enfermagem nunca se teria profissionalizado.
Com os homens é completamente diferente. A segurança e a paz interior vêm da compartimentação: a casa é a casa, o trabalho é o trabalho, os amigos são os amigos. Citando o saudoso e há pouco falecido Rubem Fonseca, a mão direita não conta à esquerda o que faz. É verdade que há homens com mais flexibilidade que conseguem enviar mensagens durante 12 horas, ao mesmo tempo que conduzem reuniões ou tomam decisões complicadas no local de trabalho, mas para tal precisam de uma profunda e indomável motivação. No dia a dia, nada melhor do que dar conta do expediente em horário a cumprir que é cumprido, para depois regressar a casa e ligar a televisão, ato catalisador para ligar a caixa do nada, que é mais uma gaveta do contador e que as mulheres não têm, primeiro porque não funcionam como um contador, e depois porque raramente conseguem não estar a pensar em nada.
O homem caça e luta, a mulher intriga e sonha. O homem sempre foi obrigado a viver fora do lar para ir buscar caça, pesca ou euros para alimentar a prole ou pagar as contas, enquanto a mulher se ocupava da casa, dos filhos, da horta, dos animais, das árvores de fruto e dos parentes doentes.
Eu sou da Geração X, aquela que cresceu a acreditar que homens e mulheres eram iguais e demorei décadas a aceitar que isso não é verdade. Homens e mulheres amam de forma muito diferente. Na verdade, todas as pessoas amam à sua maneira. Hoje acredito que cada um ama ao nível da sua consciência: quanto melhor se conhece, mais se respeita. E quanto mais se respeita, mais capaz será de amar. Quando Oscar Wilde escreveu ao amante que lhe arruinou a vida e a reputação, oxalá me tivesses amado menos e gostado mais de mim, talvez estivesse a pensar nisto, mas por outras palavras. Aceitar que a cabeça de um homem é um contador indo-português, que quando abre uma gaveta tem de fechar a que está em cima ou em baixo, embora possa abrir várias da mesma fila, é meio caminho andado para a paz que vem do entendimento e da aceitação. Apesar de tudo, prefiro um contador com as gavetas cheias de inteligência, sensibilidade, inseguranças, sonhos, ideais, jeito para cozinhar e silêncios misteriosos do que um roupeiro Pax do Ikea de portas de correr com um varão e três prateleiras sem mistério. Um contador tem sempre gavetas por abrir, não acredito em nada mais estimulante e saudável numa relação do que saber que o outro é mesmo outro e não um espelho do nosso ego ou uma projeção adolescente de um ideal inalcançável. A cabeça serve para arrumar a cabeça, o coração serve para arrumar o coração e cabe a cada um a tarefa de se arrumar sozinho.