Estava a mentir se dissesse que sempre fui apaixonada por jazz. Cresci com música brasileira e com música clássica. Beethoven e Chico, Mozart e Caetano, Brahms e Elis Regina, com Vinicius e Verdi à mistura. O jazz chegou mais tarde, lá para os 20, quando me apaixonei por um rapaz nostálgico que gostava de ouvir Billie Holiday todos os serões em casa. Os nossos amigos iam jantar ao Papaçorda e ao Sansão e Dalila e seguiam a via sacra dos 3 Pastorinhos e do Bartis para depois estacionar no Frágil, mas o rapaz nostálgico, não. Preparava um Cutty Sark com muito gelo e ficava sentado à varanda num elegante cadeirão de palha a contemplar o Tejo – e a mim, nas noites em que lhe fazia companhia – e a ouvir a Billie. E foi assim que me apaixonei perdidamente por ela, até hoje. É raro o dia em que não oiço uma música da minha diva eterna, e, se por acaso me esqueço, sinto um buraco no peito como um tiro de um chumbo, não aquele que foi tapado graças a uma cirurgia não invasiva decorria a primavera de 2007, mas outro, que é o lugar que a Billie ocupa no meu coração de sonhadora e que é só dela.
Poucos anos mais tarde, o meu coração ganhou espaço para outro crooner, um tal Harry Connick Jr que se arriscava em álbuns ambiciosos com big bands, mais de uma década adiantado em relação à explosão do jazz com arranjos mais ou menos parolos, popularizada pela Diana Krall e depois pelo Michel Bubblé.
A minha música preferida do Harry chama-se Recipe for Love, escrita em Londres, mais precisamente em Kings Road, o que não deixa de ser engraçado porque o Harry é completamente americano, e é agora que vou meter a mão na massa.
A música é um estrondo e dá uma série de dicas sobre o tema, mas quanto a mim começa logo mal quando diz a little bit of me and a whole lot of you… Eu tinha vinte e poucos anos e o Harry era uma brasa de cair para o lado e até parecia bom rapaz mas, francamente, se ambas as partes não vão a jogo com o mesmo valor nas apostas, um deles acabará por levar o outro ao colo, que é como quem diz, por puxar o barco quase sozinho. E toda a gente sabe que só anda de barco sozinho quem não quer companhia. Voltando ainda ao Harry, uma espécie de Sinatra que já dava cartas quando os outros novos crooners ainda andavam de chucha e de bibe, vale a pena ouvir a música, porque mesmo que uma pessoa esteja a atravessar uma má fase amorosa, ou em nenhuma, ganha um novo ânimo para o assunto.
Mas, afinal, do que precisa uma relação? Confiança, esperança e tempo. Confiança no outro, esperança que tudo vai correr bem e tempo para mostrar ao outro que sentimos confiança e esperança. Uma verdadeira relação, daquelas construídas no dia-a-dia com compromissos de ambos, cedências e capacidade de aceitação, não se consola com telefonemas diários nem com mensagens carinhosas. É preciso encontrar tempo para lhe dar tempo para que possa crescer. E o tempo, que é o grande ladrão da vida, é o grande aliado das relações. Vou repetir pela centésima vez, o tempo está para o amor como o vento para os incêndios: apaga os mais fracos e alimenta os mais fortes. Quando uma semente é lançada à terra, ou cai lá por acaso, precisa de tempo até se tornar numa outra coisa. É o tempo necessário para ganhar visibilidade. Por isso, acredito que no início de todas as relações, o segredo é fundamental.
Nenhum amor nasce forte; só o tempo, a vontade e a entrega têm o poder de transformar uma pequena semente numa árvore de porte. Há quem diga que o tempo não tem o tempo que o tempo devia ter, mas eu não vejo as coisas assim. Acredito que o tempo não respeita quem não tem respeito pelo tempo, quem ultrapassa as etapas naturais da evolução, quem não sabe esperar para ver, para ouvir, para aprender, para crescer com o outro e sozinho à medida que o amor se vai construindo e fortalecendo.
Dá trabalho? Sim, muito. Tanto, que o mundo está cheio de histórias de amor que estiolaram por falta de coragem para as levar adiante. E Harry não tem razão, não só não existem receitas para o amor, como não é de certeza com um bocadinho de mim e muito de ti. É nas doses certas que está o segredo de um amor feliz ou de um bolo de laranja. Isto digo eu, que nem gosto assim tanto de cozinhar, mas que faço bolos com empenho e alegria, ao som da Billie ou do Harry. Eu preciso de meter a mão na massa para saber o que o futuro me reserva. Há quem também lhe chame dar o peito à balas, mas isso já dava para outra crónica.