“O amor nunca morre de morte natural.”
Anais Nin.
Achamos que somos mestres em fazer nascer o amor, mas nunca paramos para refletir em tudo o que pode matar o amor. Acreditamos sempre as coisas se irão compor, que a vida se encarregará de nos guiar com os caminhos certos a tomar e que a divina providência acabará por nos salvar.
Só que isso quase nunca acontece. Quase sempre as coisas acabam e estamos tão pouco preparados para o final que nem conseguimos ver o amor partir, mesmo quando ele já fez as malas e mudou de pele e de vida. Nesse caso, o mais aconselhável é perceber porque é que o amor acaba e morre, como uma frágil flor, como uma árvore doente, como um lobo selvagem que abandona a matilha para morrer sozinho.
O amor morre porque o matamos ou o deixamos morrer.
Morre envenenado pela angústia. Morre enforcado pelos abraços que não se dão. Morre esfaqueado pelas costas nas noites em que o outro não vem. Morre atropelado pelo medo. Morre sufocado pela desavença. Morre de cansaço quando um deixa de acreditar. Morre de tédio quando os dois desistem de se amarem.
São sempre mortes patéticas, cruéis, sem obituário nem missa de corpo presente porque quando morre o amor, tudo é ausência, absurdo e vazio.
Mortes sem sangrar por fora, só por dentro, com as lembranças deslocadas como osso fora do lugar, quase sempre sem direito ao luto. Chorar a morte de uma pessoa é um gesto de sensibilidade e uma demonstração de dignidade: chorar um amo é visto como uma fraqueza, um ataque extemporâneo de adolescência, um exagero, uma palermice
O amor, ou morre de rompimento, dilacerado e desfeito, ou morre de lassidão, adormecido sem jamais acordar, o que ainda é mais letal e irrecuperável, contaminado por beijos dados sem ênfase, esmagado com o peso insuportável dos dias mornos. Morre sob o nevoeiro da indiferença, estrangulado por um cordão infinito de conversas surdas. Morre porque queremos que morra. Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento, alimentamos a sua fraqueza e subimos ao camarote para assistir ao seu último estertor.
O amor é perigoso para quem não resolveu os seus problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, não teme a mais dura palavra nem o gesto mais ousado. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor abre todos os portões proibidos e abre as divisões de toda a casa e do coração inteiro.
O amor não pode morrer, porque ele não tem fim. Nós é que criamos a despedida por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida.
O fim do amor nunca é suicídio, porque o amor é sempre homicídio. E mata-o quem mais profundamente o viveu e não o aguentou. Mata quem tem medo. Mata quem não acredita que ele dure para sempre e prefere antecipar a dor, acreditando que assim será menor. Mata quem tem preguiça de mudar, medo de arriscar, quem quer voar, mas não pode, ou sabe voar, mas não quer.
Numa era em que o amor é tao confundido com desejo, paixão, prazer, erotismo e satisfação imediata, como se pode salvar esse valor que nos devia guiar e proteger ao longo da vida? Primeiro com o amor fortificado da família, depois com amor desinteressado e profundo dos amigos. E só então, com a calma e a ponderação que os tempos modernas contrariam, deixar entrar o amor, dar-lhe tempo e espaço para crescer, se fazer ver e ouvir. E caso valha a pena, aprender a cuidar o amor como se faz com uma criança pequena que está doente. Com sossego e descanso, com alegria e com carinho. Com proteção e companhia. Com elevação e generosidade, porque se tratarmos bem o amor, ele não nos trai nunca. O amor nunca morre de morte natural. Talvez o mundo precise de mais enfermeiras das almas que ajudem a salvar o amor, ou o futuro irá mostrar-nos cada vez mais amores mortos do que vivos.