A nova lei do tabaco deu-me imensa vontade de puxar de um cigarro. O que é estranho, já que não fumo. A minha carreira enquanto fumadora foi muito curta e não deixou saudades. Foram cerca de dois meses, nos idos de 1999. Estava no sétimo ano e a ideia de fumar era sedutora por ser proibido. Eis que, de repente, vejo reunidas as condições para voltar a um sítio onde já fui feliz: a clandestinidade. O fruto proibido é o mais apetecido, e o fruto mais inatingível, à época, era o Marlboro Light. A aquisição era difícil, porque o senhor da BP junto à escola exigia ver o nosso BI. Agora será mais complicado ainda, porque o senhor da BP junto à escola estará impedido de vender tabaco. Terei de ir até ao café do senhor João, que também não poderá vender-me nada, mesmo jurando eu a pés juntos que já tenho 37, pese embora este corpinho de 12. Faço então mais uns quilómetros, até à rua dos restaurantes, onde há aquelas máquinas automáticas… desactivadas, já que, entretanto, também serão proibidas. Acreditando que consigo adquirir o desejado maço, e que bato simultaneamente o recorde nos 50 km marcha, há novo desafio: encontrar um lugar para fumar.
Nos tempos da secundária era atrás do pavilhão. Agora não pode ser à frente de esplanadas cobertas, paragens de autocarro, edifícios públicos em geral… Torna-se tão complicado fumar ao ar livre que o mais certo é os fumadores voltarem a fazê-lo em casa, como os nossos pais nos anos 80. O ministro da Saúde quer uma geração livre de tabaco até 2040, mas não creio que seja este o caminho. Nada leva a crer que a dificuldade em obter um produto refreie a nossa vontade de o fazer. Veja-se o caso das drogas: a venda sempre foi complicada, estilo Bimby: não se pode comprar nas lojas, é preciso que alguém nos indique um dealer, e o consumo tem de ser feito num sítio discreto… e nem por isso houve uma quebra no consumo. Antes que venham os negacionistas, ressuscitados esta semana, dizer que esta legislação é igual à do certificado digital: não é. Quem não se vacinava não podia frequentar ginásios, restaurantes, aviões, espaços fechados onde o vírus podia propagar-se. Os mesmos espaços onde logicamente não se pode fumar há anos, para não propagar cancro do pulmão. As medidas seriam comparáveis se os não vacinados não pudessem andar na rua ou aproximar-se de um hospital (de qualquer modo já não se aproximam muito, pois não acreditam na medicina). Outra pequena diferença: a vacinação de todos contribuía para a imunidade de grupo, o facto de alguém fumar a 500 metros de um restaurante, e não a 50, não faz nada pela minha saúde, bem pelo contrário. Na qualidade de pessoa que não fuma, fico longos minutos sozinha, à mesa, enquanto os restantes saem para fumar. Temo que esses minutos se transformem em horas. Vejo-os no couvert e só volto a pôr-lhes a vista em cima na parte do “cafezinhos?”. O Governo anda muito preocupado com a saúde física dos fumadores, mas pouco importado com a saúde mental dos amigos dos fumadores, uma diferença de tratamento que é inaceitável.
É permitido fumar. Crónica de Joana Marques

Torna-se tão complicado fumar ao ar livre que o mais certo é os fumadores voltarem a fazê-lo em casa, como os nossos pais nos anos 80
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