Tive um daqueles pesadelos tão realistas que nos fazem acordar ensopados em suor e permanecer alguns segundos na dúvida. Temi (e tremi) que fosse mesmo verdade. Ainda me custa falar sobre isso, mas cá vai: sonhei que era coordenadora da comissão técnica independente, encarregada de estudar a expansão do aeroporto de Lisboa. E porque é que isto é tão assustador? Nem é por não perceber nada de aeronáutica, que também não percebo de habitação e fui administradora do condomínio. O que me fez despertar em pânico foi a minha incapacidade de tomar decisões. Não queria estar na pele de quem viu as possíveis localizações do aeroporto passarem de cinco a nove, na última semana. Como Portela, Montijo, Alcochete e Santarém (e várias combinações entre elas) pareciam insuficientes, já que tornavam a escolha demasiado fácil, foram promovidas a soluções Pegões, Portela/Pegões e Rio Frio/Poceirão. Pelo caminho, ficaram, infelizmente, hipóteses como Évora, Beja, Monte Real, Apostiça, Sintra, Tancos ou a eterna Ota. Creio que nem a TAP voa para tantos destinos como este aeroporto. No total, já foram alvitradas 17 localizações para o novo aeroporto, o que faz lembrar aqueles restaurantes com listas extensíssimas, onde constam 19 pratos de peixe, 21 pratos de carne e 47 especialidades. O que faço, nesses casos, é o mesmo que faria se trabalhasse na comissão técnica: demito-me. Que é como quem diz, deposito a escolha nas mãos do empregado de mesa.
Assim, saímos todos a ganhar: eu, porque não arco com a responsabilidade de uma péssima decisão; ele, porque despacha uns filetes de pescada que tinha para lá, do dia anterior. No caso do aeroporto, o mais provável é que acabemos a comer uma solução requentada, tendo em conta os anos que passou a marinar. Há quem chame a esta lista de alternativas uma shortlist. Trata-se de mais um caso em que a língua inglesa tem dificuldade em descrever o que se passa em Portugal. “Saudade”, comparado com isto, é facílimo de traduzir. Se queriam uma lista curta, as duas únicas alternativas deviam ser “aqui” ou “ali”. E pronto, fazia-se um 50/50 como nos concursos de cultura geral. Mas não, optaram pela, também já vista na TV, “ajuda do público”, criando a plataforma AeroParticipa, onde todos os cidadãos podiam opinar. Do pouco que me lembro da minha passagem pela administração do condomínio, tudo a dar palpites é má ideia: a reunião dura sete horas e, no fim, a única decisão tomada é o agendamento de outra. A comissão técnica diz ter recebido mais de 700 propostas, o que, não tendo contribuído grandemente para o objectivo final, que é erguer um aeroporto, contribuiu para outro fim, que é justificar a demora em pôr de pé um aeroporto. Se o meu sonho se tornasse real, e para ninguém se zangar, construía 700 pequenos aeroportos. Não só compensava quem perdeu tempo no tal site, quando podia estar no Uber Eats a decidir entre pizza e frango, como passava a ser possível voar de Elvas para Chaves com escala em Vila Velha de Ródão.
O ovo ou a galinha? Rio Frio ou Pegões? Crónica de Joana Marques

No caso do aeroporto, o mais provável é que acabemos a comer uma solução requentada, tendo em conta os anos que passou a marinar
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