E finalmente, alguma elevação cultural em Portugal. O País já não perde tempo a discutir o que se passou nos reality shows da TVI, debruça-se antes sobre uma publicação da prestigiada editora académica Routledge. Claro que também contém cenas sexuais, para suscitar o nosso interesse. No livro sobre conduta sexual inapropriada na academia, três investigadoras dizem que o “Professor Estrela” tinha por hábito assediar as alunas. Boaventura Sousa Santos enfiou a carapuça e acusa as autoras de difamação, mas creio que elas até foram lisonjeiras. Afinal de contas, chamaram-lhe estrela. E é capaz de ter sido esse estatuto que o levou a, alegadamente, assediar várias estudantes, ao longo dos anos. Uma pessoa convence-se de que é uma estrela, tão distante dos comuns mortais que é por isso intocável, como os corpos celestes, o que lhe dá o à vontade para tocar em corpos de Celestes, Marias ou Ritas, mesmo que contra a vontade destas. Mas depois, chega uma publicação como esta, que faz as vezes de um telescópio, e deixa à vista de todos estes comportamentos que só se têm à porta fechada. No seu site, em nome próprio, Boaventura Sousa Santos apresenta-se como “autor reconhecido e premiado em diversas partes do mundo, tem escrito e publicado extensivamente nas áreas de sociologia (…), além de fazer trabalho de campo em Portugal, no Brasil, na Colômbia, em Moçambique, em Angola, em Cabo Verde, na Bolívia e no Equador”.
De facto uma deputada estadual brasileira, Bella Gonçalves, e uma activista argentina, Moira Millán, já vieram entretanto acusar Boaventura de assédio, provando que este professor universitário, ao contrário de outros, não aldraba no currículo. Digamos que se outro catedrático português cunhou a elegante expressão “todo lá dentro”, com Boaventura é “tudo lá fora”, se vier a confirmar-se esta quantidade de internacionalizações. Bella Gonçalves lidou com Boaventura como orientador da sua tese, mas este aparentemente ficou desorientado. Talvez pelo diferente sotaque, não tenha percebido que o interesse da doutoranda brasileira era pelo corpo docente do CES, e não pelo corpo dos docentes da Universidade de Coimbra. Já Moira Millán conta que foi desaconselhada a denunciar Boaventura porque isso seria “fazer o jogo da direita”. Esta semana, alunos de sociologia da Faculdade de Letras do Porto, fervorosos apoiantes da extrema-direita, como é habitual nestes cursos (muitas vezes até usam rastas e t-shirts do Che Guevara para disfarçar), cancelaram uma palestra de Boaventura Sousa Santos. Todos estes indícios podem fazer-nos crer que estamos perante o movimento #MeToo português, mas em princípio será apenas a estagnação “eu também conheço alguém a quem aconteceu isso”… Relembrando, precisamente, o caso de Tomás Taveira, percebemos que não há grandes consequências nestes casos, mesmo quando são provados por A+B, ou por VHS. Boaventura Sousa Santos ainda há-de fazer o seu Estádio de Alvalade (de preferência, mais bonito).
Boaventura Sousa Sacrossanto. Crónica de Joana Marques

Se outro catedrático português cunhou a elegante expressão “todo lá dentro”, com Boaventura é “tudo lá fora”, se vier a confirmar-se esta quantidade de internacionalizações
Mais na Visão
Parceria TIN/Público
A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites