Uma primeira leitura do Orçamento do Estado parece indicar que, na próxima semana, Mário Centeno vai ser visitado pelo fantasma do Natal passado, pelo fantasma do Natal presente e pelo fantasma do Natal futuro. É isso que costuma acontecer a uma pessoa que é forreta nas vésperas do Natal. Talvez Centeno não tenha lido a história de Dickens, provavelmente porque o livro está à venda por dez euros e 40 cêntimos nas livrarias, valor que ele, em princípio, considera demasiado elevado, mesmo sabendo que 6% reverte para si mesmo. Eu também tenho objecções de fundo à obra, mas mais de carácter literário. Por exemplo, gostaria que o sr. Scrooge tivesse sido visitado também pelo fantasma do Natal presente do conjuntivo. Creio que seria mais pedagógico, na medida em que, além de mostrar ao sovina o que ele faz, é importante elucidá-lo sobre o que é importante que ele faça. Foi pena, Charles.
Mesmo uma pessoa que não saiba nada de finanças tem facilidade em perceber o que se passa com o orçamento. Todos já fizemos trabalhos de grupo que entregámos no dia marcado mas já perto da meia-noite, como fez Centeno. E todos defendemos o trabalho no dia seguinte com aquela agressividade contida que indica que atamancámos uma coisa às três pancadas para que estivesse pronta a tempo e levamos a mal que os outros reparem nisso. Eu compreendo Mário Centeno porque fui muitas vezes Mário Centeno.
Na conferência de imprensa de apresentação do OE, ficou clara a razão pela qual, desta vez, o orçamento foi entregue na forma de um bonito dossier, e não numa pen – como tem sido modernaçamente habitual nos últimos anos. É que é mais fácil a gente esconder-se atrás de um dossier, e Centeno estava emboscado a disparar contra todos os inimigos: disparou para a esquerda, contra o Bloco e o PCP; disparou para a direita, contra o PSD e o CDS; disparou para a frente, contra a comunicação social; e disparou para dentro da sua própria trincheira, contra membros do seu próprio Governo. Felizmente foram disparos metafóricos, caso contrário, como é óbvio, o orçamento não teria disponibilizado os meios para tantas munições, como o Ministério da Defesa bem sabe.
(Crónica publicada na VISÃO 1388 de 19 de dezembro)