A manhã começara aos trambolhões, com nuvens negras perfiladas no horizonte. Peguei na capa de chuva, saí de casa e fui em direção ao mar. Caminhei durante mais de meia hora. Passado o farol, a berma esquerda da estrada abre-se extensa, pedregosa. Meti-me, como habitualmente, por lá. As poças que a maré alta criara no côncavo áspero das rochas refletiam o céu apressado. Um bando de corvos-marinhos sobrevoou-me, meia dúzia de farrapos alados em gritos incompreensíveis. Mais adiante, trazida pelo vento, a areia começa a ganhar terreno na sua vocação de tudo encobrir. Surgem tufos de erva divina, espetando hastes esguias com bolinhas rosadas farfalhudamente espantadas da sua cor naquela paisagem desolada de belo fim do mundo. Ali é o vento que reina. O despenteado e lento escultor daquele chão granítico é também o inconstante engenheiro de invisíveis túneis aéreos que trazem e levam o que ele bem entende, Ne me oublies pas, reconheci a voz do Jacques, de há quatro décadas.
Margaret Thatcher era a Dama de Ferro, em breve Gorbachev seria eleito Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, os Estados Unidos e a China iam-se aproximando diplomaticamente, em Portugal o sonho revolucionário tentava ainda resistir, mas o mundo tinha começado a ser outro. Conheci, então, o Jacques, que era francês e não era. Emigrante, mas menos emigrante do que os seus pais, faltava-lhe pouco – dois, três anos – para acabar os estudos e tornar-se independente. O Jacques foi o meu primeiro amor,