A entrada em peso do Chega na Assembleia da República trouxe uma degradação do ambiente parlamentar: algazarra, insultos, teatrinhos e obscenidades retóricas. Há quem diga que pretendem transformar o parlamento numa tasca. Não é verdade. Aliás, antes fosse. Cabe-me sair em defesa da honra das nossas tascas, enquanto seu frequentador assíduo.
Sempre houve momentos acalorados na Assembleia e, até, um ou outro episódio de indecoro. Nada tem a ver com esta desordem sistemática imposta pela bancada do Chega, empenhada em normalizar a boçalidade no debate político. Passou a ser comum ouvirmos os seus urros, os seus gestos e os seus apartes grosseiros, numa expressão diária que envergonha o País.
Ninguém pode alegar que não sabe. O recente episódio com o deputado Filipe Melo, que da própria Mesa enviava “beijos” à deputada Isabel Moreira procurando provocá-la e intimidá-la, não é caso isolado. Há queixas formais recorrentes, em particular de deputadas mulheres – sempre um alvo preferencial da grosseria -, e a noção partilhada de que o ambiente na casa da democracia se tem deteriorado a um nível insustentável.
Faz parte da velha fórmula: perante o colapso anunciado do sistema, estes partidos surgem como válvula de escape para o ressentimento da população. São criados – pelo sistema – com esse mesmo objetivo. Distrair as pessoas, desviar a atenção dos problemas reais, criar um bode expiatório que possa ser alvo da sua raiva e, assim, conservar intactos os interesses do sistema. Por isso são financiados por grandes fortunas e interesses obscuros: para fazer o trabalho sujo.
Têm, no entanto, que aparentar o contrário. Têm que fingir estar contra o sistema na forma, no tom, na atitude. Têm que instalar o caos, minar as instituições e intimidar as vozes do progresso. Há que virar todos contra todos e mergulhar o país numa guerra civil, para que os interesses dos mais poderosos prosperem sem obstáculos. Há que desacreditar todo o discurso que defenda a justiça social, pois eles estão cá para servir a desigualdade.
Muitos media, dependentes do escândalo e do sensacionalismo, têm caído que nem patinhos, ajudando à sua estratégia. Em troca de cliques e audiências, oferecem o fillet mignon dos espaços informativos como palco para o circo de aberrações do Chega (e dos seus amiguinhos espalhados pelo mundo). Deixam-nos impor a indecência como norma no debate público, privilegiando quem mais mente, quem mais ofende, porque a polémica dá audiências. Pagamos todos. Pagam os mais fracos, sobretudo, cada vez mais desprotegidos. Pagam muitos dos seus próprios eleitores, achando que assim se vingam. Seria bom que percebessem a tempo.
Pois atentem que é trigo limpo, caros amigos. Numa democracia representativa como a nossa, os cidadãos elegem os deputados para que estes os representem no parlamento. Cada deputado está mandatado para representar um número de pessoas. Ora, quem votou no Chega nas últimas legislativas, mandatou um conjunto de bullies da pré-primária para o representar no fórum onde se decide o futuro do país. Segundo veio a público, chegam a imitar mugidos para intimidar colegas, aos urros, a bater com os pés no chão e a fazer gestinhos obscenos no plenário. Será que quem votou se sente representado por estas pessoas? Mugidos no plenário? Era disto que estavam à espera?
Esta arruaça é o oposto do que acontece nas nossas tascas. As tascas não são sinónimo de incivilidade. São, muito pelo contrário, locais de civilização. São espaços de encontro e convívio, muitas vezes aceso, de abraços e discussões, de família e camaradagem. São ágoras de bitaites e ânimos quentes entre os carolas do bairro, de “a próxima pago eu” e de “amanhã passas cá, não te rales”. A tasca é uma instituição cultural portuguesa, autêntica, que precisa de ser defendida contra os interesses de quem visa plastificar as cidades de fachadas sem identidade.
Os partidos como o Chega, no fundo, odeiam as tascas. Existem para defender os interesses de quem não gosta delas. Trabalham em nome de quem não tolera que o povo se junte na sua diversidade, na sua genuinidade, para trincar um cozido ou duas pataniscas. Querem ver as pessoas com medo e em conflito, sem réstia de humanismo ou empatia que as aproxime. Querem impor um controlo e uma única forma triste de estar que é contra todas as liberdades coletivas e individuais.
Que nunca se volte a dizer que procuram transformar o parlamento numa tasca. Há demasiada decência e fraternidade nas nossas tascas. Precisamos é de mais no plenário.
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