Em janeiro, poucos previam uma guerra na Europa. O vírus dominava o debate público e a empresa britânica de energia SEE divulgou sugestões para poupar eletricidade: comer papas de aveia, fazer exercício em casa, abraçar cães e gatos para cortar no aquecimento. À época, caiu mal. Em abril, o então primeiro-ministro italiano Mario Draghi sugeriu que o embargo ao gás russo seria escolher entre o ar condicionado ou a paz. Estávamos na primavera. Seis meses passados, as sanções à Rússia apertam, os preços da energia disparam, a economia mundial vacila, Draghi saiu de cena e a paz está para vir. O ar condicionado também.
A União Europeia mostra determinação em encontrar alternativas aos combustíveis fósseis russos. Diversificar fontes e encher as reservas de gás para o inverno surgem a par da poupança de energia: em julho, os 27 Estados-membros aprovaram, com exceção da Hungria, o objetivo de reduzir o consumo de gás na União em 15%.
Infelizmente, é difícil reverter décadas de má política energética em poucos meses, desfazer a estratégia que deixou a Europa exposta aos estados de alma do Kremlin, e Putin está determinado em usar a arma da energia. Como se não bastasse, a urgência da resposta implica retrocessos ecológicos. A fatura social será pesada, em especial num panorama em que o vento dos extremismos não bate leve, levemente. É a tempestade perfeita. As democracias não aguentarão uma nova “crise sem precedentes” – eu próprio já lhes perdi a conta e ainda tenho Cartão Jovem -, se forem os mesmos de sempre a pagar.
Os guias para poupar energia estão mais em voga do que nunca. Enquanto lidam com o impacto da inflação e a subida dos juros do crédito, os governos europeus procuram soluções para cumprir o objetivo estipulado: cortar 15% no gás. As campanhas de sensibilização exortam os cidadãos a conduzir mais devagar, cortar nos aquecedores ou desligar tomadas.
Na Alemanha, um dos países europeus mais dependentes do gás russo (59%), várias cidades deixaram de iluminar monumentos. França implementou uma multa para lojas com ar condicionado que mantenham a porta aberta. Portugal e Espanha, países menos dependentes da energia russa na UE, criaram um mecanismo ibérico temporário para limitar o preço do gás na produção da eletricidade. A Comissão Europeia tem em cima da mesa uma proposta para taxar em 33% os lucros extraordinários das energéticas, revertendo as receitas para apoiar consumidores. Neste esforço de contenção, o governo português determinou que, entre dezembro e janeiro, a iluminação natalícia só poderá funcionar entre as seis da tarde e a meia noite. Conhecendo o inestimável apreço dos cidadãos portugueses pelas iluminações de natal, percebemos que o gesto é sinal de uma enorme gravidade.
E esse é o ângulo cómico de tudo isto: o plano de poupança português é mais curto do que os seus congéneres europeus. Porquê? Porque as principais sugestões de poupança de energia envolvem a climatização doméstica e os portugueses estão habituados à pobreza energética: no verão, duches de água fria e estores corridos; no inverno, camisolão e uma pilha de mantas. Para um português, é quase caricato que o governo alemão se debata para “sensibilizar” as pessoas a limitar o aquecimento das casas aos 20ºC, não andar de t-shirt em casa no pico do inverno, não aquecer as piscinas. Em Portugal, país mais quente, saímos para o sofá como para a Serra da Estrela no inverno e cada cidadão tem um mestrado honoris causa em como poupar energia, pelos piores motivos: somos pobres e a energia é sempre cara. As casas são mal construídas. O português médio já faz praticamente tudo o possível para poupar energia, estando habilitado a dar workshops Europa fora. Com alguém natural da Covilhã, ou de Bragança, à frente do Plano de Poupança Europeu, a União Europeia reduziria facilmente a fatura energética para metade.
Não será fácil, nem agradável. Kristalina Georgieva, diretora do FMI, prevê pelo menos um terço do planeta em recessão no próximo ano. A guerra na Ucrânia e o risco nuclear – que o cidadão-comum prefere compreensivelmente não levar a sério -, com a crise socioeconómica a reboque, exigem estratégia e uma liderança capaz. Vai doer. A inflação e os juros já pesam com violência na economia e no orçamento das famílias. Sem solidariedade e uma partilha real dos sacrifícios, políticas sociais e distribuição de riqueza, as democracias não resistirão à crise. A vaga de extremismos e a desagregação cívica são o rasto da austeridade e da perda de direitos que a gestão irresponsável da crise do subprime nos deixou. Cabe aos governos democráticos do presente impedir que os mesmos erros sejam feitos na lida com esta crise. Ou nenhum aquecedor poderá valer ao Ocidente na nova Era Glaciar.
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