O tempo dos processos criminais tem andado na berlinda, não só pelos efeitos perversos em relação aos suspeitos e arguidos envolvidos, mas também por colocar em causa a pretensão punitiva do Estado.
Ninguém discute que quinze ou vinte anos até ser conhecida a decisão definitiva num qualquer processo, seja ele de que complexidade for, é demasiado tempo.
Tal decurso do tempo coloca mesmo em causa a legitimidade do Estado para o exercício do seu poder punitivo e daí existirem institutos como a prescrição, mas de igual forma, qualquer pena aplicada ao fim de tão longo tempo a uma determinada pessoa, perde o seu caráter humanista, apresentando-se não na sua finalidade de ressocialização ou mesmo de afirmação das normas vigentes, mas apenas na sua vertente punitiva.
O problema é que o diagnóstico superficial tantas vezes avançado, com recurso a clichés já instalados, como “a culpa é dos megaprocessos” ou as críticas lançadas à atuação do Ministério Público, têm andado, inexoravelmente, ligadas e associadas a um único processo.
Um processo que passou a ser o barómetro de aferição da qualidade da justiça, mais não é, felizmente, do que a exceção, a anormalidade.
Porém só a anormalidade e o que corre mal na justiça, é que é notícia.
Mas mesmo a análise que é feita desse “barómetro”, nem sempre é objetiva quanto às causas e quanto aos responsáveis.
Será correto afirmar a responsabilidade do Ministério Público nessa delonga?
Vejamos os tempos do processo.
O inquérito da denominada “operação marquês”, única fase do processo penal dirigida pelo Ministério Público, teve início em julho de 2013 e o seu encerramento ocorreu em 11 de outubro de 2017, com a dedução da acusação, ou seja, teve a duração de quatro anos e três meses.
Se é certo que o prazo máximo de duração do inquérito legalmente previsto em processos com o nível de complexidade deste é de dezoito meses e que tal prazo só se conta a partir do momento que começa a correr contra pessoa determinada, podendo afirmar-se, de acordo com os dados públicos conhecidos, que tal apenas ocorreu a partir de novembro de 2014, podemos dizer que o prazo terá sido excedido para o dobro.
Porém não podemos esquecer que pela sua complexidade, volume e pessoas envolvidas, três anos de inquérito não se pode considerar um tempo excessivo em termos comparativos com o que outros sistemas, com muito mais recursos, demoram na fase de recolha de prova, isto é, na fase investigatória.
Basta pensarmos, por exemplo, no caso “Madoff”, tantas vezes dado como exemplo de celeridade do sistema americano de justiça, mas que está muito longe de o ser.
Entre junho de 1992 e dezembro de 2008, quando Madoff confessou, o Securities and Exchange Commission (SEC) recebeu seis denúncias substanciais que levantavam sinais de suspeita em relação às operações de Madoff com hedge funds [fundos de investimento em ativos de risco elevado], com indícios que poderiam levar a uma acusação contra Madoff, sendo que só dezasseis anos depois e perante a ruina do seu império o sistema americano conseguiu deduziu uma acusação.
A diferença é que em Portugal não existem investigações de crimes fora de um inquérito dirigido pelo Ministério Público, enquanto no sistema americano a investigação é efetuada e dirigida por autoridades policiais de investigação e só depois da mesma estar concluída é que é apresentada ao Ministério Público.
Mas continuando a análise do nosso processo “barómetro” verificamos que entre a acusação e a decisão instrutória em abril de 2021 decorreram cerca de quatro anos, numa fase dirigida por um juiz de instrução, e que a nossa legislação processual penal considera facultativa e que deve ter um prazo de duração máxima de quatro meses!!
Mas mais, desde que foi proferida decisão instrutória já decorreram mais de dois anos, sem que os recursos da mesma tenham sido decididos.
Ora, nem na fase da instrução, nem na fase do recurso da mesma, se pode atribuir ao Ministério Público a responsabilidade pelo decurso de quase seis anos sem existir uma decisão instrutória definitiva.
Portanto, se queremos ser sérios e apenas nos servirmos de um único processo como barómetro, convém diagnosticar corretamente o que determina a morosidade ou não do mesmo e não atirar culpas às cegas, sem sabermos exatamente do que estamos a falar.
O exame que fizemos não isenta o Ministério Público de ter, sobretudo no domínio da criminalidade nova, mais grave ou mais complexa, uma cultura de “case study”, isto é, de análise autocrítica e regular dos processos, cuja demora ou insucesso não eram expectáveis, com magistrados das várias fases processuais, para repensar modelos de investigação ou estratégias processuais e para que o Ministério Público evolua em qualidade e eficiência.
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