A Direção-Geral da Saúde (DGS) publicou recentemente um Despacho que determina os alimentos a terem restrições à sua publicidade no espaço público, cumprindo assim a Lei 30/2019 que “introduz restrições à publicidade dirigida a menores de 16 anos de géneros alimentícios e bebidas que contenham elevado valor energético, teor de sal, açúcar, ácidos gordos saturados e ácidos gordos transformados.” Uma lei que demorou quase 7 anos a ser aprovada no Parlamento, mas que agora coloca Portugal na dianteira europeia nesta área.
A importância da lei mede-se no tempo que demorou a ser aprovada (demonstrando a oposição à sua concretização) mas também nas muitas vozes de apoio que a sua publicação gerou à escala mundial, o que sugere que este é um caminho possível a ser desbravado.
A razão principal da existência de uma lei que protege as crianças dos efeitos nefastos da publicidade a alimentos de má qualidade prende-se com o tempo de exposição das crianças e com a incapacidade de controlo parental destas situações. Fruto da mudança social e tecnológica nas nossas sociedades, as famílias portuguesas têm hoje um contacto reduzido com os seus filhos. A taxa de emprego das mães em Portugal é uma das mais elevadas da OCDE e mais de 90% das mães portuguesas trabalham a tempo inteiro. Consequentemente, e apenas para exemplificar, enquanto na maioria dos países da OCDE as crianças com menos de 2 anos passam, em média, 25 a 35 horas por semana em creches, em Portugal, ficam aproximadamente 40 horas ao cuidado de terceiros. Durante a semana, 36,5% das crianças e adolescentes portugueses vê televisão por períodos iguais ou superiores a 2 horas. Esta prevalência aumenta significativamente aos fins de semana para 71,3%! E na maior parte do tempo, este contacto é feito de forma isolada, estando a criança em frente ao ecrã, quer seja da televisão, do computador ou do telemóvel. Por esta razão, os anunciantes de alimentos canalizam atualmente a maior parte do seu investimento publicitário para jogos online e para outras formas de interação digital nas redes sociais e, de modo geral, na internet, onde o controlo parental é praticamente nulo. Muitas vezes, inclusive, direcionando os conteúdos para áreas de ensino e pedagogia, misturando o entretimento e a educação em formatos quase impossíveis de separar. Assim e na sociedade atual, os estímulos a que a criança está sujeita durante o crescimento e desenvolvimento são totalmente diferentes daqueles que influenciaram as gerações anteriores e para as quais muitos pais estão impreparados para lidar eficazmente.
O objetivo da publicidade destinada a crianças é o de influenciar as suas opções, agir sobre as suas preferências, levando a que elas comprem ou peçam para comprar determinado produto alimentar em vez de outro. Neste aspeto, as empresas com maiores orçamentos para a publicidade são precisamente aquelas que produzem géneros alimentícios com maior capacidade de conservação a longo prazo, ou seja, produtos com maiores quantidades de conservantes e saborizantes, de sal e açúcar. Produtos que geram maiores lucros e que permitem disponibilizar valores elevados para os orçamentos de comunicação e influência.
Estes alimentos ricos em sabor, e muitas vezes ricos em calorias, têm um apelo mais intenso nas crianças e adolescentes. Sabemos hoje, através dos estudos de Jason Halford, Emma Boyland e outros cientistas, que as crianças obesas são mais suscetíveis a estes estímulos publicitários do que as crianças normoponderais. Crianças que depois de habituadas aos sabores intensos do sal e açúcar continuarão a preferir, enquanto adultos, estes sabores, geradores de doença num ciclo de doença e incapacidade para o resto da vida. Estas mesmas crianças, que necessitam do nosso apoio, são assim as mais frágeis neste processo e as mais facilmente manipuláveis. E em Portugal, existe mais de meio milhão de crianças entre os 5 e os 17 anos com excesso de peso.
Claro que podemos argumentar que a responsabilidade é, em última instância, da família e das próprias empresas, que deveriam autorregular mais fortemente a publicidade e as famílias ensinar os filhos a lidar com a publicidade aos alimentos. Um processo que infelizmente não tem dado resultados na maioria dos países, mas onde deve ser feito um esforço continuado de melhoria. Entretanto, e enquanto a perfeição e a melhoria não acontecem, a implementação desta Lei é uma importante medida de saúde pública que ajudará à proteção das crianças mais frágeis, um papel mínimo de regulação, mas que no meu entender compete aos Estados, estando de parabéns o Estado Português, o Parlamento que votou esta medida e a DGS que a ajudou a implementar.
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