O Papa Francisco recebeu ontem o Prémio Carlos Magno, pelo seu contributo para a unificação pacífica da Europa. O prémio poderia ser justificado de muitas formas mas os presidentes do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia referiram especificamente a visita recente de Francisco à ilha de Lesbos, na Grécia. Estranhos tempos estes, em que a Europa que condecora o Papa pela sua compaixão para com os refugiados é a mesma que lhes fecha a porta, pagando milhões à Turquia para “tratar do assunto”.
Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu, pediu mesmo, no seu discurso, à União Europeia para atuar de forma diferente nesta grande crise humanitária: “Aqueles que, 25 anos depois da queda da Cortina de Ferro, querem construir novas paredes e muros na Europa, pondo em causa uma das maiores conquistas europeias – a liberdade de circulação -, não aprenderam nada com a História.”
O Papa fez um discurso emotivo no Vaticano, dizendo sonhar com o dia em que ser migrante na Europa não seja um crime. Porque hoje, de facto, quem chega às ilhas gregas de barco, atrás da miragem de uma terra de liberdade e fraternidade, é de imediato preso e encaminhado para centros de detenção, para posterior deportação para a Turquia ou para os seus países de origem.
“O que aconteceu contigo, Europa humanista, defensora dos direitos humanos, da democracia e da liberdade? O que aconteceu contigo, mãe de todos os povos e países, mãe de grandes homens que foram capazes de dar as suas vidas pela dignidade dos seus irmãos?”, perguntou o Papa.
A ouvi-lo estava a chanceler alemã Angela Merkel, o Rei Filipe VI de Espanha, e Matteo Renzi, primeiro-ministo italiano.
Shultz falou igualmente para esta plateia mas esperando que todos os líderes europeus o ouçam: “Numa época em que as palavras ‘Europa’ e ‘crise’ são, com excessiva frequência, colocadas no mesmo plano, rapidamente esquecemos o que a Europa já conseguiu construir e aquilo que ainda é capaz de fazer. Os nossos pais e as nossas mães construíram, a partir das ruínas do pós-guerra, um projeto alicerçado na paz e na humanidade. Renegaram conscientemente a propaganda belicista, o desejo de destruição e a desumanidade que caracterizaram a primeira metade do século XX.”
O presidente do Parlamento Europeu lembrou ainda que “a alma da Europa reside nos seus valores”. Por isso, “quando o Papa Francisco nos recorda que uma Europa que cuida, defende e protege cada ser humano é um ponto de referência valioso para toda a Humanidade, está a lembrar-nos, a nós Europeus, estes valores. Precisamente num momento em que, na Europa, as cimeiras de emergência se sucedem a um ritmo vertiginoso e em que as pessoas se interrogam às vezes se, na Europa, ainda partilhamos os mesmos valores, torna-se tanto mais importante lembrar a nossa força comum.”
Os líderes continuam a não dar uma resposta à altura das circunstâncias mas o que nos salva, talvez, é a humanidade de muitos cidadãos europeus: há um exército de voluntários a mostrar outro rosto da Europa aos refugiados. Dezenas de portugueses também têm arregaçado as mangas, pela Europa fora, ajudando a alimentar, a dar roupa quente ou um tecto seguro para pernoitar a milhares e milhares de famílias.
No último mês, alerta a Unicef, o fluxo de refugiados alterou-se novamente, sendo agora sobretudo de mulheres e crianças. Os riscos são cada vez maiores e, em média, morrem duas crianças afogadas por dia nestas travessias. Até porque muitas viajam sozinhas. Há quem, em desespero, se despeça dos filhos e os envie nos barcos, esperando que, desta forma, as autoridades tenham coração e os acolham. Esta mãe holandesa mostra-nos como encontrou, há semanas, um bebé de 5 dias, sozinho, embrulhado num colete salva-vidas.
“Onde estavas tu enquanto tudo isto se passava?”, imagino que um dia pergunte o meu filho, por agora ainda protegido na sua bolha feliz da infância, como todas as crianças deveriam estar.
É certo que nem todos podemos partir para as ilhas gregas ou para outras paragens para dar uma mão a quem chega, mas podemos atuar e ajudar de muitas outras formas. Nem que seja mostrando a mesma compaixão ontem elogiada ao Papa, e a disponibilidade para acolher, como vizinhos, aqueles que fogem da guerra.
“Onde estávamos nós?”, imaginem a pergunta, daqui a 10, 20 ou 30 anos. Porque é agora que temos de dar a resposta.