Cada vez mais acredito que o mundo se divide entre determinados e procastinadores. Entre aqueles que mesmo não tendo inventado a roda vão à luta e têm sucesso, e os outros, que podem ter grandes ideias mas acabam por nunca encontrar as “condições ideais” para concretizá-las. Um procrastinador também pode ter momentos determinados, e vice-versa. Mas, regra geral, há uma linha constante de ação (ou inação) a marcar as vidas de cada um de nós.
A situação piora dramaticamente quando saímos da esfera profissional e passamos à pessoal. Quantas vezes adiamos a felicidade? Nesta altura do ano, mais dada a balanços, contam-se pelos dedos as pessoas que possam dizer: “Os 12 meses deste ano chegaram para cumprir os sonhos que tinha.” As resoluções típicas de ano novo têm sempre uma aura de determinação. No próximo ano é que vai ser: ter aulas de piano, fazer aquela viagem, voltar a caber nos jeans que usava na faculdade… Mas os dias passam a uma velocidade alucinante e vamos adiando a concretização para depois – até o prazer.
Existem estudos para tudo e também para este fenómeno. Um grupo de cientistas sociais da Universidade da Califórnia analisou as razões que levam a que tantas empresas lucrem milhões com presentes de Natal em forma de certificados de oferta. A grande razão do sucesso destes negócios é que a maioria destes vouchers pré-pagos, para experiências como massagens de relaxamento ou viagens, acaba por ir parar ao lixo. A equipa liderada pela especialista em ciência do comportamento Suzanne Shu confirmou isso mesmo oferecendo a diferentes pessoas vouchers com prazos de 2 e 8 semanas. Todos se mostraram entusiasmados com a oferta, assim que a receberam. Quem não gostaria de passar um fim de semana numa bonita pousada no campo ou ter duas horas de mimos num spa de luxo?
Questionados sobre a intenção de usarem o certificado, todos responderam que o iriam fazer. Sem dúvida! Mas não só mais de 70% não reclamaram o seu presente como ficou também demonstrado que, quanto maior o prazo de validade do voucher, maior era a probabilidade de este nunca vir a ser usado.
O que pode justificar este estranho impulso de deixar para amanhã o que pode ser apreciado hoje? Porque é que nunca parece ser um momento adequado para deixar os afazeres da vida de lado e aproveitar, simplesmente, uma oportunidade de diversão?
Talvez, avança o estudo, esteja demasiado instalada a cultura de desvalorizarmos o que temos como certo na vida, à mistura com um certo sentimento de culpa por nos entregarmos ao prazer. Além disso, os investigadores perceberam também que, quanto menos momentos de prazer as pessoas tinham, mais adiavam a marcação da sua “experiência”. Queriam vivê-la na ocasião “perfeita”.
Como ultrapassar este problema? Suzanne Shu sugere, em entrevista ao New York Times, que se receber um voucher deste tipo no Natal, deverá marcar uma data imediatamente, para as semanas seguintes. “A melhor forma de agradecer a quem lhe deu esse presente é gozá-lo rapidamente e depois dizer-lhe o quanto gostou da experiência.” Parece lógico mas, como tudo na vida, temos sempre tendência a complicar o que é simples.
Passamos a vida a ouvir dizer que devemos aproveitar cada dia como se fosse o último. Carpe diem, e essas coisas. Mas quantos de nós vivem de facto cada momento ao máximo? Se também é um procrastinador do prazer, lembre-se da mensagem do filme Sideways, vencedor do Oscar para melhor argumento adaptado em 2005. Um dos personagens principais, Miles, guardava religiosamente uma garrafa de um vinho excepcional – um Chatêaux Cheval Blanc de 1961. Dizia estar à espera de uma ocasião especial para o abrir mas, por vários motivos, nunca parecia ser o momento certo. E acabou a bebê-la sozinho, numa estação de serviço, num copo descartável.
Tal como Miles, temos tendência para fazer tudo errado. Para quê guardar, por mais um dia que seja, as nossas garrafas de vinho, os nossos bónus em milhas aéreas, os nossos vouchers de presente? O momento especial será aquele em que decidirmos usá-los.