Vamos assistir, na próxima semana, a mais uma cimeira da UE sobre os refugiados e imigrantes. Desta vez, o prato do dia será especialmente indigesto. Tratar-se-á de aprovar o projeto de acordo com a Turquia sobre a questão.
Muito se tem dito e escrito sobre esse projeto, no essencial um documento proposto por Ancara e uma tábua de salvação lançada aos europeus, em que ninguém acredita de verdade. As medidas com alguma possibilidade de serem aplicadas são apenas as que beneficiam a parte turca. O resto é praticamente impossível de executar e não resolve os problemas que contam: a crise humanitária, a insegurança, a imigração ilegal, o crescendo xenófobo e a falta de unidade e solidariedade entre os estados da UE.
Em resumo, os custos deste acordo são excessivamente elevados e os resultados demasiadamente incertos. Sem esquecer as implicações negativas de longo prazo que a aceitação, por parte da Europa, acarretaria. Vamos por partes.
O pacto com o governo turco inspira-se na lenda de Fausto. Vendemos a alma, os valores e a reputação em troca de um alívio que mais não é que uma quimera. Com efeito, o ajuste não respeita os princípios básicos das Nações Unidas sobre refugiados. Curiosamente, isso acontece na mesma altura em que a Europa do Leste reivindica o lugar de Secretário-geral da ONU. Se eu fosse um candidato proveniente de um dos países dessa parte da UE ficaria com a impressão que as minhas hipóteses de eleição estavam a encolher…
Também prejudica gravemente a imagem da Europa, enquanto guardiã e promotora da lei internacional, dos princípios humanitários, dos direitos humanos e da tolerância. Com que voz e autoridade se irá falar noutras assembleias e noutros tempos sobre esses ideais? Os princípios universais, a boa governação e o respeito pelas pessoas constituem, há duas décadas, temas essenciais da agenda externa europeia, incluindo na área da cooperação. No futuro, vai ser mais difícil dialogar sobre esses valores e exigir a outros que os respeitem.
Aprovar o acordo não pode tampouco deixar de ser visto como um sinal de fraqueza perante as exigências do Presidente Recep Tayyip Erdogan. Cede-se nos vistos. Os cidadãos turcos passam a ter acesso ao espaço Schengen sem restrições. Ou seja, muitos deles irão engrossar a multidão dos novos imigrantes na Europa, seja por motivos económicos ou por razões de discriminação étnica e política na Turquia. Ironia das ironias, não se aceitam novos refugiados com medo da imigração descontrolada, mas abre-se a porta a uma nova onda de imigrantes turcos. Cede-se igualmente nas negociações de adesão, quando é claro que Ancara não reúne as condições básicas que lhe permitam responder aos critérios exigidos. Cede-se por fim financeiramente, com um volume de transferências excecional, seis mil milhões de euros, num horizonte temporal curto, até 2018. Erdogan consegue assim pôr a Europa de joelhos.
E perde-se em relação a África. Os dirigentes africanos ficam a perceber que a Europa tem apenas duas preocupações maiores e convergentes na sua agenda externa: tornar as suas fronteiras exteriores tão herméticas quanto possível e fechar a torneira da imigração. São certamente preocupações legítimas, mas demasiado redutoras. É para aí que serão canalizados todos os recursos disponíveis. O resto, incluindo o que foi acordado na cimeira Europa-África de novembro de 2015 em La Valetta, parece ser apenas trinta e um de boca. O nível de confiança nas promessas europeias é cada vez menor. A Comissão em Bruxelas tem consciência disso. E está a ficar agitada, sem saber como tratar a relação com África, sobretudo à medida que nos aproximamos da próxima consulta entre a Comissão Europeia e a Comissão Africana, prevista para 7 de abril em Adis Abeba.
Perante isto, quais são as alternativas, para além de não se poder aceitar o acordo, tal como está redigido? A resposta deve assentar num tratamento completo e coerente da questão dos refugiados e dos imigrantes, e basear-se no princípio do mal menor. É esse o verdadeiro desafio que temos pela frente.
A crise é multifacetada. Tem dimensões humanitárias, que são as mais urgentes e de curto prazo, mas também possui aspetos relativos à segurança europeia, à estabilidade política de alguns dos estados, à identidade cultural e ainda à imagem da Europa, vista quer pelos seus próprios cidadãos quer pelos outros, na cena internacional. Tudo isto deve ser equacionado.
Liderar é, numa crise como a presente, conseguir encontrar os equilíbrios possíveis, sem pôr em causa o fundamental. Isto passa por uma triagem muito mais expedita e completa dos que já chegaram e dos que irão chegar, pela adoção de medidas visíveis que desencorajem os aventureiros e os imigrantes meramente económicos, por um empenho a sério na resolução dos conflitos políticos que estão na origem dos movimentos populacionais, e por uma cooperação muita mais estreita com as agências das Nações Unidas, experientes que são quanto a este tipo de emergências. E se for preciso suspender, por uns tempos e nalguns casos específicos, as regras de Schengen, por que não?
O fundamental é mostrar que a Europa sabe ser generosa quando necessário, mas com robustez e clareza de princípios. Incluindo nas suas relações com líderes de países vizinhos, sobretudo quando esses sabem jogar habilmente com um pau de dois bicos.