“Não estamos em guerra, mas também já não estamos em paz.” O chanceler alemão resumiu o statu quo numa frase. Um prelúdio tecnológico para algo que sabemos poder ser muito grave. A tecnologia barata ao serviço do objetivo central de Putin: eliminar a NATO e sobretudo o allure das democracias europeias e das suas sociedades confortáveis. Não vão os russos revoltar-se em massa e repetir-se 1991, dissolvendo-se de novo o poder no Kremlin.
Infraestruturas destruídas (cabos de telecomunicações sabotados com âncoras arrastadas no fundo do mar por uma frota de navios “sombra”), milhões de bots a criar divisão nas redes sociais, ataques cibernéticos a aeroportos e sobretudo drones avistados a olho nu por cidadãos polacos, noruegueses, dinamarqueses…
Os drones, com a sua capacidade de viajar milhares de quilómetros, recolher dados e, se armados, destruir infraestruturas e matar pessoas, materializam a ameaça perto de nós. Já não é algo difuso numa rede social, que influencia, mas onde censuramos quem, sem crítica, se deixa capturar. Ou uns cabos cortados no oceano, mas que não se traduz em interrupção de serviços, e como tal não nos incomoda verdadeiramente.
Os drones encapsulam o medo de uma guerra em que as decisões são transferidas para a máquina. Seja na identificação, no rastreio e/ou na destruição do alvo pela máquina, sem intervenção humana ou por uma pessoa distante, atrás de um ecrã.
Nas últimas duas décadas foram-se somando as notícias de utilização de drones, lá longe no Médio Oriente. Capazes de identificar terroristas e os eliminar, numa “justiça” extrajudicial, destinada a trazer segurança ao Ocidente. Questionava-se a legalidade dessas execuções sumárias, mas o receio da repetição dos ataques em Nova Iorque, Londres ou Paris diluía as nossas objeções éticas.
A guerra na Ucrânia normalizou, no consciente coletivo, o drone. Sentimos um certo orgulho no engenho dos ucranianos.
Agora que somos nós o alvo, que sentimos a nossa casa europeia invadida, os drones ganham corpo. E a ameaça, e a sua escala efetiva, materializa-se. Passámos a temer o céu azul.
Sem risco físico para os soldados, e sem a sua presença no terreno, sujeitos ao dilema moral de causar dor e sofrimento, a guerra parece tornar-se automática. Uma concretização de instruções dadas a um sistema informático neutro, desprovido de moral e ausente de culpa. Na nova desordem mundial, os esforços de regular – por tratado internacional – a utilização de drones e a incorporação de sistemas de Inteligência Artificial na tomada de decisões extinguiram-se. As propostas de códigos de ética capitularam, perante a perceção de que o inimigo não se rege pelas mesmas regras ou valores.
Importa que reconheçamos a dimensão da ameaça e aceitemos que a guerra na Ucrânia não é uma situação isolada, mas uma frente de um conflito mais vasto. As guerras são marcadas pela tecnologia. O gás venenoso na I Guerra Mundial, os bombardeamentos aéreos e a bomba atómica na II Guerra Mundial e agora os drones. Mas é a capacidade de sustentar o esforço militar – política e economicamente – que determina o vencedor. A economia russa é mais pequena do que a italiana e, como tal, um pigmeu perante os recursos conjugados das democracias europeias. Em 2024 a União Europeia comprou à Rússia combustíveis fósseis no valor de 242 mil milhões de euros, superando o valor do apoio económico à Ucrânia. Eliminar a aquisição de gás e petróleo é essencial, ainda que tal implique mais inflação no curto/médio prazo. A Putin não falta vontade política, afinal não responde perante os russos, mas faltam-lhe recursos e cabe à Europa e aos seus cidadãos aceitar o custo de deixar de lhe financiar a guerra. A bem da segurança de todos os europeus, tal será o melhor complemento ao “muro de drones” (uma rede em camadas de sistemas de deteção e interceção de drones) que a Europa se propõe a construir.