Como será viver no melhor país do mundo? Que pergunta! Nós sabemos, claro, os 10 749 635 residentes deste maravilhoso Portugal, onde um jovem recém-licenciado encontra de imediato um emprego à altura das suas qualificações, um salário conveniente ao custo de vida, o que lhe permitirá pagar uma casa arrendada e iniciar a sua própria vida, sem se arrastar anos e anos pela casa dos pais. E onde um velho vive com uma reforma digna, podendo mais tarde pagar um lar que cuide dele, enquanto prolonga os anos de vida saudável porque há médico de família para todos.
“Portugal é o melhor país do mundo”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, esta segunda-feira, num hotel em Nova Iorque, dirigindo-se a emigrantes e lusodescendentes. “Nós somos assim, vamos para nove séculos de História cada vez melhores, mais fortes, mais sofisticados, mais solidários, mais influentes, porque melhores”, acrescentou.
Os maiores. Ou, como canta Sérgio Godinho, “para isto não ficar numa canção em dois tons / vou tentar abreviar / somos todos muito bons!”
E somos especialmente muito, muito, bons em finanças, o que é um espanto, dada justamente a História destes nove séculos. “Para dizer como somos bons nisso, o facto é que já chegámos a uma coisa que era inimaginável, que é não só o equilíbrio das contas públicas, mas superavit! Antigamente eram outros países que tinham essa doença, agora é Portugal”, continuou o Presidente da República.
Agora que aprendemos a nossa matemática, que temos sobras de dinheiro nas contas públicas, o que iremos fazer com ele? Investir na gestão das urgências, para que não fechem, dar melhores salários aos médicos, para que não fujam para o privado, apostar na formação de professores, para que não faltem nas escolas, dignificar a atividade fulcral dos nossos bombeiros, comprar aviões que apaguem incêndios, acabar com o esquecimento das periferias e do Interior, construindo lá equipamentos sociais e de cultura? O que faremos com tanta abundância?
Marcelo Rebelo de Sousa faz o seu papel, não cai bem ir para o estrangeiro falar mal do País. E nós, aqui, se não morremos com o fecho de urgências e maternidades, podemos bem morrer dos maus fígados que nos dá a amargura, isto de estar sempre a falar mal. Existe, no entanto, um ponto que separa a realidade do delírio – e disto padecem muitos dos nossos representantes políticos.
O delírio está no encantamento com o facto de Portugal estar na moda, ser escolhido por cidadãos de certo tipo de países que cá vêm tanto para “turistar” como para viver, sem entender o alcance das consequências desta moda no preço das casas e o drama de milhares de famílias, que não conseguem pagar uma habitação com o seu salário.
“À volta da minha casa, em Cascais, só encontro americanos”, foi dizendo o Presidente da República, acrescentando que estes cidadãos compram “habitação nos sítios mais espantosos”. Lisboa, Porto, Algarve e Comporta são alguns desses locais “espantosos” para melhor se aproveitar o sol, a “segurança, a estabilidade e um ambiente humano único”.
Não há quem nos bata no ambiente humano, somos mesmo muito bons. Por enquanto. Até ao dia em que “ainda acabamos todos encurralados / a fazer manguitos ao irmão do outro lado / e a gritar: estamos quites / lixaste-me e estás lixado”. (Sul, Norte, Campo, Cidade, de Sérgio Godinho).