A última vez que a dívida pública portuguesa esteve abaixo dos 100% do PIB foi em 2009, estávamos na explosão de uma crise financeira global (a queda do Lehman Brothers tinha sido em 2008). Quando o FMI entrou em Portugal, em 2011, íamos em 114,4% e tudo parecia num descontrolo tal, com as agências de rating a atirarem os títulos da nossa dívida para a categoria de “lixo”, que as marcas ainda hoje perduram. Ou não teríamos um governo socialista com necessidade de repetir tantas vezes a expressão “contas certas”.
É a “casa arrumada”. Mas ninguém sabe muito bem o custo deste jogo entre o controlo da dívida e o relançamento da economia e o socorro aos cidadãos em tempos sombrios. O custo humano em pessoas que não foram atendidas ou operadas nos serviços de saúde, crianças que não tiveram professores, famílias que não conseguiram sair da pobreza ou não tiveram acesso a uma casa decente… Por outro lado, uma dívida descontrolada pode ser um isco para o apetite dos mercados. Como nos disseram tantas vezes durante os tempos da Troika, “pusemo-nos a jeito”.
A conversa torna-se vincadamente ideológica: melhorar as condições laborais dos médicos é uma despesa ou um investimento? Dentro do Partido Socialista, há opiniões para todos os gostos. Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação de António Costa, não seria tão ávido, nesta altura, por reduzir a dívida pública (que ficará, neste ano, nos 103% do PIB).
“Para este ano previa-se um défice de 0,9% e vamos acabar com um excedente de 0,8%. Podíamos usar esta margem para resolver alguns problemas da Administração Pública. O salário médio real dos médicos de medicina geral caiu, por ano, 2,3%, e 2,2% no caso dos médicos especialistas. E isto aconteceu com vários profissionais da Administração Pública…”, disse no seu comentário na SIC Notícias, embora realçando que este é um “orçamento belíssimo”, que baixa impostos e reforça prestações sociais.
Do outro lado do espectro socialista, e falando nas jornadas parlamentares do PSD, Francisco Assis, atual presidente do Conselho Económico e Social, arrancou grandes aplausos quando lançou esta farpa: “Não nos podemos contentar com um aumento de 40% da despesa no Serviço Nacional de Saúde e não notar a qualidade dos serviços. Não é um problema de dinheiro, tem outras componentes, tem também problemas de gestão.” A crítica vai direta a uma das bandeiras de António Costa, que tanto sublinha o grande investimento feito pelo seu Governo na área da Saúde.
São avaliações com mais peso e conteúdo do que as expressões que ouvimos a Luís Montenegro – de orçamento “pipi” a “betinho” ou “bem apresentadinho”, não se percebeu muito bem o que queria dizer com isto. Ou que o Executivo veio a “reboque” das propostas do PSD de diminuir o IRS.
O líder do PSD teve, aliás, uma semana complicada. A sua tentativa de “matar o pai” saiu-lhe com deselegância e enfureceu os sociais-democratas. Em entrevista ao programa CNN Town Hall, respondeu assim à pergunta sobre se gostaria de ver Passos Coelho regressar ao ativo: “Pedro Passos Coelho está habilitado a fazer tudo na vida pública e na vida privada. Mas tenho de dizer isto: eu acho que o meio académico português não está a tirar partido do potencial que ele tem nessa área.” As piores facadas são, sem dúvida, as amigas.