1. Se António Costa (AC) não tivesse acusado de racistas os cartazes empunhados por alguns professores que o “perseguiram” e interpelaram na sequência das cerimónias do 10 de Junho na Régua, a repercussão do episódio tinha sido muito menor, se não nenhuma. Até porque os mesmos cartazes já tinham sido exibidos em alguns dos inúmeros atos de protesto dos professores, sem os seus responsáveis solicitarem a quem os empunhava que com eles não manchassem os ditos atos. Foi preciso, parece, o episódio da Régua, e a classificação dos cartazes como racistas por parte do primeiro-ministro, para as organizações sindicais deles se virem distanciar.
Isto mostra como hoje, talvez mais do que nunca, há certos iscos para atrair a atenção dos média e de algum “público”. Ora se é uma evidência AC já imensas vezes ter sido objeto de insultos racistas, vítima de um racismo explorado por inimigos políticos sem escrúpulos, eles próprios racistas, embora sempre o negando – tal evidência, em meu juízo, não existe nos referidos cartazes. Porque acentuar os traços fisionómicos do caricaturado faz parte do “género”, e se eles forem próprios de uma certa etnia o acentuá-los não significa necessariamente racismo.
Significará, neste caso? Não vou entrar aqui nessa análise. Porque, mesmo que não signifique, o dito cartaz é inadmissível numa manifestação de professores por ser violento, agressivo, transpirando ódio: um focinho de porco na cara de uma pessoa, sem qualquer justificação para isso, na ideia ou lógica da caricatura; e, ainda pior, dois lápis a furar os olhos de uma pessoa, no caso do chefe de Governo que se quer atacar. O nível é o dos cartazes do Chega com as fotos de políticos, um deles também AC, com uma cruz vermelha por cima, como se devesse ser eliminado.
2. Para lá do que representa em si mesmo, creio ser este episódio significativo – e consequência – também de uma progressiva incapacidade para o diálogo e para uma convivência civilizada entre adversários políticos; e mesmo de uma crescente reprovável agressividade, com reflexos na sociedade em geral. É óbvio que para isso contribui(u) de forma dramática o dito Chega. Mas, embora em menor grau, há outros setores não isentos de “culpas”.
Quando, por exemplo, o Chefe de Estado de um país irmão, o Brasil, democraticamente eleito pela terceira vez, isento pela Justiça das acusações que lhe foram feitas, é chamado de “ladrão” na Assembleia da República (AR); quando pululam entre dirigentes políticos acusações de “mentirosos” e outras similares, ou piores, como “corruptos”, ou o lançamento de suspeitas de o serem sem indícios sérios nesse sentido, só com base em investigações preliminares, e amiúde polémicas, do Ministério Público – estamos perante verdadeiras ameaças a uma democracia saudável e a um país em que não grasse um malsão clima de agressividade e intolerância.
Os principais dirigentes políticos e partidários, ao menos esses, têm a estrita obrigação de combater tal estado de coisa. E Marcelo é o primeiro a tê-la, quer por ser o Presidente quer pelas oportunidades para isso no muito que fala.
3. Chegou ao fim a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. E o que se passou desde o que aqui escrevi há duas semanas não se alterou em nada de substancial: em geral, a mesma falta de nível e pobreza em repetidas, não incisivas, perguntas, o mesmo tom agreste, o mesmo que me levou a dizer que por vezes mais parecia estar-se num interrogatório a um meliante numa esquadra de polícia do que à inquirição a um político no Parlamento. No total foram 168 horas de audições a 46 inquiridos. Alguém será capaz de defender que o que ali se passou, e os “resultados” obtidos, de perto ou de longe justificam 168 horas de “trabalho” de deputados da AR?
O que se pode ter avançado em relação ao objetivo da comissão foi muito pouco, a perda de tempo e a frequente imagem de simples “politiquice” ou incompetência foram muito grandes. E, se não erro, saiu gorado o principal propósito de quem parece sempre ter como primeira prioridade o simples desgaste do Governo – propósito que era atingir ou abater o ministro Fernando Medina e o ex-ministro Pedro Nuno Santos.
À MARGEM
A JMJ e o Papa Francisco
Foi para mim extremamente surpreendente que o bispo D. Américo Aguiar, primeiro responsável da Igreja pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, perguntado sobre o que aconteceria se o Papa Francisco não pudesse estar presente, respondeu que não havia plano B – dando a entender que a Jornada não se realizaria. Isto depois de tudo o que está feito, gasto, investido na sua realização. Ora, se a JMJ é “um encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa”, ela é também “uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil”. Então se Francisco, por qualquer razão, se visse forçado à ausência física, tudo o resto deixa de existir, ter valor, justificar a JMJ? Tenho grande admiração pelo atual Papa e custa-me a crer que ele aprovasse a sua anulação.
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