1. O clima de generalizada descrença e crispação, que existia quando Marcelo chegou à Presidência e António Costa ao Governo, está a voltar, pouco a pouco, sob novas formas. Assim, começa a sentir-se uma espécie de apodrecimento da situação política, para o que muitos dos principais protagonistas políticos estão a contribuir, se não a criar. E os mais graves problemas que Portugal hoje tem acabam por em geral ser secundarizados face a outros muito menos importantes – mas muito mais ruidosos e/ou mediáticos, palco e pasto de um combate político-partidário entre o vulgar e o rasteiro.
Custa-me ter de o dizer, quando os inimigos da democracia estão por aí, até no Parlamento, e fazem do sistemático ataque aos políticos e partidos uma arma virulenta. Custa-me ter de o dizer, mas julgo dever ser dito, na esperança, decerto lírica, de contribuir para mudar a atual situação. Que suponho em parte poder simbolizar-se em duas imagens: a do político que gasta o dinheiro em obras para “encher o olho” numa terra que não tem saneamento; a do político que face a um erro do adversário, podendo repará-lo ou minorá-lo no interesse do país, opta por apenas tentar aproveitá-lo em benefício próprio…
2. Não posso nem pretendo tratar aqui qualquer dos muitos temas ou casos concretos geradores da atual situação. Sublinho só que, entre bastante irrelevância e especulação, há matéria suficiente para considerar que o Governo tem falhado, ou não correspondido às expectativas, em vários aspetos; e que o PS parece ter regressado a certas práticas, pelo menos “clubísticas”, que caracterizam os partidos pela negativa. O tema TAP é bem ilustrativo de vícios e erros diversos – alguns, aliás, graves e repetidos ou prolongados no tempo, com protagonistas de vários quadrantes.
Ora o que se verifica é mais surpreendente, para lá do que justificam as enormes dificuldades resultantes da pandemia, da guerra da Ucrânia, da inflação, etc., por Governo e PS terem à sua frente António Costa. Que julgo ser o mais talentoso e preparado político português, executivo e no ativo – com uma vastíssima experiência, incluindo a de ministro de três importantes pastas, oito anos presidente da maior câmara do País e sete primeiro-ministro.
3. Continuando a fazer muitas coisas bem e a serem-lhe imputadas culpas que não lhe devem ser atribuídas, a realidade é a acima referida e a responsabilidade política impõe agora a Costa uma intervenção urgente, rigorosa e vigorosa, que em minha opinião passa por:
a) Uma comunicação ao País sobre o estado da Nação, principais problemas e o que vai ser feito para os resolver. Comunicação incisiva, não de propaganda mas de análise virada para o futuro; e “comunicação”, não conferência de imprensa, com as costumeiras perguntas sobre o que está na crista da onda ou na espuma dos dias, que depois faz as manchetes.
b) Uma renovação do Governo, com menos quadros partidários (embora, por exemplo, mantendo ministros “contestados” como Fernando Medina e João Costa) e mais gente com capacidade e prestígio na sociedade civil (sabendo-se como é cada vez mais difícil encontrar quem o aceite…).
A este nível, do Governo e não só, o que mais falta é “sabedoria” – saber, com raízes fundas na vivência, na experiência, num congénito bom senso e equilíbrio, na compreensão/intuição das coisas e das situações. Muito mais do que numerosos “assessores”, um Presidente ou chefe de governo precisa de ter o conselho de alguém com sabedoria.
4. Para ultrapassar a atual situação, claro que é essencial o Presidente da República. Marcelo tem sido, em geral, muito bom Presidente, com o senão, por todos salientado, de falar/comentar em excesso… É, em meu juízo, o que acontece agora ao dizer e repetir que não vai dissolver o Parlamento – o que pode dar alguma aparência de razoabilidade e viabilidade ao que obviamente não tem qualquer fundamento, seria absurdo e dramático para o País, além de talvez inconstitucional.
À MARGEM
Na morte de Rui Nabeiro
Foram impressionantes as manifestações de apreço, e até a emoção, na morte de Rui Nabeiro, o consenso existente sobre a sua dimensão humana, como empresário que se fez com os seus próprios engenho e esforço, não “explorando” os trabalhadores, antes sempre tentando compreendê-los, e sempre ajudá-los, ao longo da vida. Anoto-o aqui para: a) salientar como seria bom que outros empresários seguissem o seu exemplo; b) lembrar que, entre tantos ataques injustos que António Almeida Santos sofreu, contou-se o de ser amigo e/ou advogado de um “contrabandista”. Querem os autores desses e doutros ataques “assumir-se”?
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