I mporta primeiro esclarecer o que é exatamente um “ataque cardíaco”. Estamos a falar de um enfarte agudo do miocárdio, de uma paragem cardiorrespiratória ou de uma morte súbita? Um enfarte agudo do miocárdio é uma obstrução abrupta de um pequeno vaso no coração, artéria coronária, perturbando a oxigenação deste órgão. Caso não seja resolvida, esta obstrução pode comprometer o funcionamento do mesmo e levar a uma paragem cardiorrespiratória – daí muitas vezes estes conceitos surgirem interligados.
O principal mecanismo que desencadeia o enfarte agudo do miocárdio é a acumulação de gorduras nas coronárias por excesso de colesterol em circulação no sangue. Este excesso de colesterol, chamado “dislipidemia”, tem uma origem multifatorial, nomeadamente nos hábitos alimentares desadequados ou na falta de exercício físico.
No entanto, causas genéticas podem contribuir também para este problema. Neste caso, estamos a falar de pessoas, muitas vezes naturalmente magras, com bons hábitos alimentares e prática adequada de exercício físico, que não conseguem ver reduzidos os seus valores de colesterol total. Em determinados casos, estamos a falar de valores de colesterol total que podem ser superiores a 300 mg/dL. A principal causa desta situação é efetivamente genética. São alterações num conjunto de genes, nomeadamente APOB, LDLR e PCSK9, associados a hipercolesterolemia familiar.
Esta doença, apesar de ser bastante frequente (está presente em cerca de 1 em cada 500 pessoas), está infelizmente ainda subdiagnosticada em Portugal. O tratamento da dislipidemia hereditária deve ser mais agressivo do que o da dislipidemia multifatorial, com fármacos específicos, por vezes com início ainda na infância. Sem o tratamento adequado, cerca de 50% dos homens com esta doença desenvolvem doença coronária antes dos 50 anos. No sexo feminino o risco é inferior, no entanto ainda assim é relevante: cerca de 30% das mulheres desenvolverão doença coronária antes dos 60 anos.
Mas o enfarte agudo do miocárdio não é a única causa de paragem cardiorrespiratória ou de morte súbita. Cerca de 40% dos casos de morte súbita com causa cardíaca abaixo dos 40 anos têm uma causa genética. Neste grupo de doenças cardíacas hereditárias, encontramos as miocardiopatias, doenças do músculo cardíaco, e as doenças do ritmo cardíaco, vulgarmente conhecidas por arritmias.
Existem centenas de genes atualmente associados à predisposição hereditária para a doença cardíaca. Na sua maioria, são doenças de hereditariedade autossómica dominante, o que significa que podem ser transmitidas de pais para filhos, independentemente do sexo, numa probabilidade de 50 por cento.
Atualmente, as análises genéticas tornaram-se ferramentas extremamente potentes no esclarecimento do diagnóstico destas doenças. Com uma pequena amostra de sangue, ou de saliva, podemos analisar centenas de genes de uma vez só, permitindo a identificação de alterações genéticas associadas ao mecanismo exato das doenças.
É a identificação das alterações genéticas que possibilita ao doente um seguimento médico personalizado. Por exemplo, sabemos que algumas alterações em determinados genes estão associadas a um maior risco de ocorrência de episódios arrítmicos e, consequentemente, de um maior risco de paragem cardiorrespiratória.
O desenvolvimento destas ferramentas permitiu-nos disponibilizar a este grupo de pessoas uma medicina de precisão individualizada. É agora possível abordar o risco de morte súbita atempadamente e evitar um desfecho irreversível, por exemplo, graças à colocação de um desfibrilhador implantado como prevenção primária.
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