1. Não duvido da sinceridade da imensa maioria dos que trabalhando em organismos ou entidades do Estado, ao desencadearem formas de luta na defesa dos seus direitos e ou dos seus interesses pessoais/profissionais dizem fazê-lo (também) em prol do respetivo serviço público. Vejamos, por exemplo, setores em que essa luta tem sido mais frequente, como os de saúde, educação e transportes. Não duvido da sinceridade, repito, nem duvido que a melhoria de condições, mesmo só salariais, dos trabalhadores, contribuam ou possam contribuir para a melhoria de qualidade do serviço que prestam.
Agora, o que também me parece claro é que quando essas lutas passam a afetar com gravidade a vida das pessoas “comuns”, os seus efeitos não são propriamente os mais favoráveis ao “serviço público” – à confiança que os cidadãos nele depositem, à sua imagem, ao que representa. Exemplificando e simplificando: se há lutas que põem em causa o funcionamento de hospitais, escolas, transportes do Estado, para lá do que as pessoas por isso afetadas consideram razoável, qual é o resultado? Sem dúvida, o haver cada vez mais cidadãos a criticar/desvalorizar os serviços públicos de saúde, educação, transportes, e a valorizar/preferir os privados – em que não há “agitação” nem greves… E, além disso, reforçar as posições dos que defendem as privatizações de tudo: e tantas já indevidamente se concretizaram, com os nefastos resultados para o País que se conhecem.
Ora, não estando obviamente em causa a legitimidade, a que em regra acresce a necessidade, ou até o dever, dessas lutas, incluindo greves, para os trabalhadores defenderem os seus direitos – e por vezes em simultâneo, os serviços públicos –, há que conduzi-las com ponderação de todos os valores e interesses, ou conflitos de interesse, que estão em jogo, conduzi-las com sabedoria ou no mínimo sensatez. A não ser assim, não terá fundamento, nem justeza, e muito menos eficácia, a justificação dessas lutas como, ou com a, defesa do(s) serviço(s) público(s) – que, em última análise, só sairá prejudicado no seu prestígio e na sua atividade.
2. Os populistas de extrema-direita são, em geral, os principais fautores e beneficiários das fake news. Encontrar remédios para combater tais inimigos jurados da democracia, que num indignante exercício de mentira e hipocrisia passam a vida a invocar a liberdade que querem destruir, é de uma extrema dificuldade. Ou mesmo impossível, mantendo todas as respeitáveis e inalteráveis regras adequadas a um certo tempo, mas que têm de ser mudadas quando o tempo é outro e a democracia corrompida, destruída, através de meios antes inexistentes, como redes digitais.
O tema foi tratado no recente encontro entre Biden e Lula, Presidentes de dois grandes países onde esta nova situação assumiu enorme dramatismo, com rara expressão nos vândalos e “golpistas” assaltos ao Capitólio, em Washington, e à Praça dos Três Poderes, em Brasília. Veremos que soluções é, se é, possível encontrar, como se impõe que aconteça. A luta é muito desigual entre quem olha e quem não olha a meios para atingir os fins. Ou até, para usar uma palavra muito cara a quem me vou referir, quem tem ou quem não tem “vergonha”.
3. Pois, o Chega. Que no plenário da Assembleia da República (AR) pôs os seus 12 deputados de pé, ostentando cartazes com a foto de Catarina Martins (CM) e, por baixo, a palavra “Impunidade”. Motivo: esses 12 magníficos apresentaram uma queixa-crime conta CM por ela os ter dito “racistas” (vejam lá a injustiça e o desplante!), e não lhe haver sido levantada a imunidade parlamentar. Enquanto, por exemplo, a André Ventura foi levantada por ele ter acusado o historiador Fernando Rosas de, em 1976, haver torturado mulheres e sequestrado homens. Então não é flagrante que – em fundamento, gravidade e contextualização na luta política – as imputações são iguais e o tratamento é diferente?…
A isto chegamos – e pela primeira vez, que me lembre, 12 cartazes na AR como numa manif de rua. Que fazer? E, fazendo, como evitar o “benefício do infrator” que faz da alegada, mentirosa, vitimização, um dos seus instrumentos de propaganda e combate?
Exemplos a seguir
Alguma coisa, enfim, a merecer elogios gerais quando o que está na moda é “esculhambar” mais ou menos tudo. Refiro-me ao trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais da Igreja em Portugal. Um trabalho sério, profundo, transparente, concluído dentro do prazo, muito bem fundamentado e explicado. Um exemplo, quando tanto precisamos de exemplos. É de elementar justiça felicitar todos os que integraram a comissão, em particular quem a ela presidiu e os escolheu, Pedro Strecht; e felicitar a atual hierarquia da Igreja, que promoveu o estudo e deu condições para chegar a bom termo. Noutro plano, destaque e aplauso especial para a atitude do Presidente Marcelo face ao imigrante nepalês agredido em Olhão.
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