Como em anos passados já foram aconselhados a emigrar por Pedro Passos Coelho, é bom deixar claro desde já: em qualquer parte do mundo, ser professor é a profissão mais importante de todas as profissões. São eles que semeiam e fazem germinar o capital humano, riqueza maior no futuro de um país e aquela que pode marcar a diferença, sobretudo quando as condições de base são difíceis e as adversidades parecem intransponíveis. Ora, o problema é que os professores deixaram de se sentir parte integrante desse grupo de privilegiados, pessoas cuja profissão é socialmente reconhecida por todos. Nada a fazer, é o resultado da democratização, dirão os mais pragmáticos, porventura cheios de razão. Mas por que motivo isto deve preocupar-nos?
Não é de ânimo leve que, nas manifestações dos últimos dois meses, se vê muitos professores exigir reconhecimento através de duas palavras que – entre nós, herdeiros trágicos de uma ditadura que perpetuou o atavismo em matéria de qualificações durante mais de quatro décadas – encerram tantas reminiscências históricas: autoridade e respeito. Não, antigamente não era bom. Ninguém de bom senso, muito menos professores, pretende que a escola volte a ser aquilo que era no tempo da outra senhora – onde abundava autoridade e respeito, Salazar e crucifixo omnipresentes em todas as salas de aulas do País, mas também escasseava uma genuína admiração pela figura do professor e ainda mais rareava o gosto pela transmissão do conhecimento, o prazer de ensinar e de aprender.
Os professores estão zangados e, em grande medida, têm razão: foram esquecidos, legislatura após legislatura, sentem-se desprezados, não se lhes atribui um lugar primordial, o valor que continuam a merecer. Muitos deles estão, inclusivamente, zangados com quem era suposto tê-los defendido, os “velhos” sindicatos da Fenprof, próxima da CGTP e do PCP, e da Federação Nacional de Educação, próxima da UGT e do PS. Estão exaustos, fartos e não acreditam nas respostas dessas estruturas. Desconfiam do “regime” e, sem réstia de esperança, viram-se para os que estão mais disponíveis no momento para acolher toda a sua indignação. O Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop) – que também chamou até si outros trabalhadores da Administração Pública (de polícias a funcionários dos tribunais) – tem levado a cabo “greves-guerrilha”, uma forma mais radical de protesto que permite aos professores decidir a que tempos letivos faltam, transformando os horários dos alunos num rendilhado incompatível com as dinâmicas da maioria das famílias. No princípio desta semana, André Pestana, coordenador do Stop e militante do Movimento Alternativa Socialista, pediu às duas centrais sindicais para marcarem uma greve geral ainda durante este mês.
Por tudo isto, com algum grau de probabilidade, é possível adivinhar que, no próximo sábado, 11, haverá novo mar de gente nas ruas de Lisboa. O ferro está quente e, apesar das greves, as negociações têm prosseguido, com o executivo a dar sinais de abertura. Em entrevista à RTP, o primeiro-ministro não concretizou nada, mas revelou-se preocupado com a situação dos professores. Carlos César, presidente do PS, também disse que há um período em que Governo e PS se devem “debruçar e atender a esses problemas salariais”. Entretanto, o ministro das Finanças, Fernando Medina, já refreou as hostes despesistas: “Temos de ter em conta a situação geral do País.” Tudo certo, cada um no papel que é suposto, num enredo de tal maneira embrulhado que só os muito irresponsáveis dispõem de soluções rápidas e fáceis. De qualquer modo, segundo a proposta do Ministério da Educação, serão vinculados todos os professores com 1095 dias de serviço (que podem não ser sucessivos), o que significa que deverão ser admitidos mais 10 700 profissionais. Mas, como os sindicatos têm insistido no descongelamento do tempo de serviço, a luta deve estar para durar. Até do lado dos sindicatos “fofinhos”, já há quem ponha a hipótese de fazer greve até ao fim do ano (Mário Nogueira, líder histórico da Fenprof).
Como tudo o que se prolonga no tempo, há de chegar o dia em que a contestação começará a gerar cansaço e indiferença. Marcelo Rebelo de Sousa, sempre atento ao barómetro mediático, alertou que “a simpatia da opinião pública” pode “virar-se contra os professores”. Na memória dos mais atentos a este assunto ecoam as palavras de Maria de Lurdes Rodrigues, a antiga ministra da Educação que criou a avaliação de desempenho (em nome do PS, recorde-se): “Perdi os professores, ganhei a opinião pública.” Quando esse dia chegar, os professores terão conseguido algumas das suas reivindicações. No entanto, sobrará outro sentimento no qual, para lá do respeito e da autoridade, também assentava a cartilha da escola do outro tempo: o medo. O medo do que vamos fazer com todo este ressentimento.
Breviário
O meu reino não é mesmo deste mundo?
Mesmo já não sendo proprietária de uma televisão, a Igreja continua a ter uma forte presença na comunicação social, nomeadamente, com a Rádio Renascença e a agência Ecclesia. Não se entende por isso o modo como (não) tem gerido, do ponto de vista da comunicação, questões relevantes – e de grande impacto social, como se vê – como a coordenação da Jornada Mundial da Juventude ou a investigação sobre os abusos sexuais de menores (o relatório da comissão independente será tornado público na próxima semana). É caso para perguntar: “O meu reino não é deste mundo?”
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