1. Há uma vasta panóplia de temas/problemas, nacionais e internacionais, da maior relevância e atualidade, a justificar comentário neste despretensioso espaço. Cuja exiguidade nunca os permitiria tratar, mesmo que não houvesse uma minha assumida falta de competência sobre vários deles. Refiro-o, de passagem, apenas para sublinhar a complexidade e a dificuldade da situação hoje vivida, que ainda mais impõe que a política se faça de forma séria e responsável, sem mentira nem demagogia, vendendo ilusões numa espécie de perniciosa campanha eleitoral permanente.
Quem está no poder muitas vezes invoca, pro domo sua, tal complexidade e dificuldade, quando não existe – mas hoje ela é flagrante, de gravidade e com tendência para não melhorar, o que tem de ser seriamente considerado na ação e na avaliação políticas. Pelo Governo e pelas oposições.
Neste contexto, no dificílimo equilíbrio entre combater os nefastos efeitos da inflação para as pessoas, e não contribuir para a aumentar, o que implica opções muito difíceis e sempre controversas, creio que o Governo tem feito um sensato esforço de equilíbrio – embora sem garantir como seria desejável (e possível?…) que os cidadãos mais pobres, de renda mais baixa, não verão pioradas ainda as suas condições de vida.
2. O acordo conseguido em sede de concertação social reflete e reconhece aquele esforço de equilíbrio, que o Orçamento do Estado também espelha e consagra. E julgo muito positivo tal acordo. Que, além do que em si mesmo representa, constitui uma excelente arma de defesa do Governo, sobretudo perante a sua aguerrida oposição à direita. Quanto ao facto de a CGTP não o subscrever, aliás não subscreveu nenhum, além do que geneticamente contribui para o explicar, é uma decisão à luz dos seus princípios fundamentada e que deve ser respeitada.
Sobre o Orçamento do Estado, que especialistas têm analisado sob diversos ângulos, e de que a Mafalda Anjos nos dá uma perspetiva muito interessante nesta edição (p. 18), só mais uma nota: desta vez ninguém se pode queixar de ser apresentado fora de tempo ou, muito menos, de o ministro das Finanças não explicar devidamente o seu conteúdo e as suas – e do Governo – opções. Fê-lo, em longa apresentação do documento e conferência de imprensa, em entrevistas, etc. Para o “comum dos mortais” isso nada ou pouco adiantará, espera-se que seja útil, esclarecedor, para aqueles que o devem interpretar e traduzir em termos de a maioria dos cidadãos o conhecerem e compreenderem. E “aqueles” devem ser, principalmente, os jornalistas…
3. Um dos pontos que pensava abordar nesta coluna era o dos casos de efetivas ou supostas incompatibilidades de alguns ministros. Mas (vantagem de ser “atrasado” e algumas vezes ir ler – até para porventura não o repetir – o que já consta de outras colunas da VISÃO) não o faço porque o fundamental já está magnificamente dito por Pedro Marques Lopes (p. 22).
Concordando no essencial com tudo o que escreve, sublinho apenas que se só servem aos antidemocratas, em particular à extrema-direita, quaisquer práticas efetivamente violadoras da ética por parte de titulares de órgãos de soberania e políticos em geral, por igual só a eles servem práticas sistemática e grandiloquentemente acusatórias contra tais titulares e políticos com base em erradas ou discutíveis interpretações da lei, sem fundamento concreto bastante quanto à falta de ética dos atos ou procedimentos em causa.
Para agravar a situação contribui, em geral, o destaque acrítico e sem o devido tratamento jornalístico que lhe é dado em numerosos média. Situação que, aliás, tem ainda um outro potencial efeito nocivo: o de cada vez menos gente de qualidade, que não tenha bastante gosto pelo poder ou raro espírito de serviço público, aceitar exercer certos cargos, inclusive no Governo.
Nota final e pessoal, para evitar equívocos: sem qualquer “vaidade”, a que não é dado, talvez não seja excessivo dizer que ninguém mais do que este escriba se tem batido na imprensa portuguesa, e há mais tempo, pela eticização da política, mormente em defesa da democracia. Sublinhando que a “legalidade” dos procedimentos só por si não exclui a sua eventual censurabilidade ética.
À MARGEM
Parece não ter fim a invasão da Ucrânia pela Rússia, a guerra a todos os títulos criminosa desencadeada por Putin contra o país vizinho e mais fraco, com o seu cortejo de horrores e manigâncias, a última das quais a farsa dos falsos referendos. A resistência heroica do povo ucraniano é uma consoladora realidade, e a importância decisiva para ela do Presidente Zelensky é indesmentível. A esta luz conviria, julgo eu, que Zelensky não exagerasse no tom de certas exigências face aos que o apoiam, e sobretudo não cortasse qualquer hipótese de conversações de paz ao afirmar que nunca as admitirá sendo Putin líder da Rússia. Porque não é a ele, nem à Ucrânia, mas aos russos, que compete decidir quem “governa” na Rússia. Era bom que não fosse Putin, mas…